terça-feira, 4 de maio de 2010

CILADAS DA CANÇÃO: USOS DA MÚSICA NA PRÁTICA EDUCATIVA


Por
Adalberto Paranhos
Universidade Federal de Uberlândia

RESUMO
Instigados pela necessidade de produzir novas pontes de comunicação com os alunos, parcelas expressivas
de profissionais ligados à educação passaram a refletir criticamente sobre suas práticas educativas. Mais
do que isso, como que tateando outros caminhos, vêm buscando incorporar ao arsenal de recursos
utilizados em classe outras linguagens para além das habituais. Nessas circunstâncias, a música
industrializada tem assumido crescente importância como meio pedagógico, insuflando novos ares nas
ações em sala de aula, para não falar aqui do desafio de trilhar distintas rotas de pesquisa, que resultou
numa produção bibliográfica que valoriza objetos de estudo tradicionalmente postos à margem pela
academia. O que se constata, no entanto, é que, embalados pelo desejo de experimentar diferentes sabores
dos saberes, existe uma acentuada tendência a concentrar o foco de análise quase exclusivamente – ou
pelo menos prioritariamente – nas letras das canções populares. Nesta comunicação procuro evidenciar
que, por maior que seja a relevância desse procedimento, ele por si só não é suficiente para dar conta da
complexidade do trabalho com música, mesmo quando não se alimente a pretensão de realizar um estudo
de natureza especificamente musicológica. Umas tantas implicações ou precauções metodológicas se
impõem quando os caminhos das práticas educativas e da pesquisa histórica se cruzam com os registros
sonoros. Quem se atém tão-somente à letra de uma composição pode perder de vista a relação de
complementaridade e/ou de oposição que ela entretém com outros elementos da obra musical na sua
realização histórica ou no seu fazer-se. Em primeiro lugar, a decifração da linguagem estritamente
musical, conectada à eventual filiação a gêneros musicais, à família instrumental que intervém na geração
de uma determinada sonoridade ou formatação timbrística, nada disso é estranho a quem se disponha a
percorrer todo o arco de opções ao lidar com música. Afinal, a música fala sem recorrer necessariamente a
palavras impressas e cantadas. Quantas vezes ela não se insinua como um discurso nu de palavras, mas
nem por isso menos eloqüente do que as formas de expressão verbal cristalizadas? Além do mais, as
palavras que aparentemente injetam sentido numa canção não deixam de passar, em muitas situações, por
um processo de dessignificação e/ou de ressignificação. Ocorre, com certa freqüência, o fenômeno que
Eni Orlandi chama de “migração de sentidos”. Daí que o sentido das letras das músicas seja cambiante,
mudando, por vezes, com o tempo, na dependência do contexto histórico-cultural e musical em que
ressurjam. Quando não permanecemos reféns da mera literalidade das letras das canções, aí sim estamos
aptos a perceber que o significante não se acha irremediavelmente comprometido com um significado
único, esvaziado de historicidade. Na perspectiva aqui adotada, uma canção está longe de reter um sentido
fixo, pré-fabricado ou predeterminado. Afinal, examinada dialeticamente, a produção de sentidos, como
parte de uma espécie de jogo polissêmico, abriga múltiplas leituras possíveis, por mais ambíguas e
contraditórias que sejam. O sim pode transmuitar-se em não, e vice-versa, ou em talvez. Por essa razão, é
necessário apontar ao menos mais uma das dificuldades que envolvem o trabalho com música. Uma
canção, a meu ver, não pode ser reduzida à peça fria da partitura ou de sua letra, quando mais não seja
porque interpretar implica também compor. Como já frisou Paul Zumthor, “o intérprete significa”. Assim,
quando alguém canta e/ou apresenta uma música sob essa ou aquela roupagem instrumental, ele atua, sob
determinado aspecto, não como simples intérprete, mas igualmente como compositor. O agente tende a
operar, em maior ou menor medida, no sentido de decompor e/ou recompor uma composição. E isso
acontece de modo consciente ou inconsciente, pouco importa no caso. Em síntese, para quem fugir dos
esquemas simplistas de apreensão do significado das canções, elas são como que um novelo de muitas
pontas. Ao circular socialmente, uma canção, em seu moto-perpétuo, pode ser inclusive ponto de
convergência de diversas tradições e contestações, espaço aberto para a pluralidade de sentidos e para a
incorporação de vários significados, até mesmo confliantes entre si. Por sinal, estas considerações – cuja
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base de apoio deriva da análise concreta que se pretende fazer de diferentes momentos históricos – estão
em linha de sintonia com os estudos que, dia após dia, têm ganho destaque no âmbito da História Cultural
ou da História Social da Cultura. Não foi Michel de Certeau quem já nos advertiu que o sentido de uma
obra não se define a partir de um depósito, de uma intenção ou de uma atividade autoral? Não foi ele que
criticou a “crença errônea na transparência significante dos enunciados, fora do processo de enunciação”?

para saber mais
http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/442AdalbertoParanhos.pdf

quinta-feira, 4 de março de 2010

A SONORIDADE DO BARROCO NO BARRO DO RIO CUYABÁ

"Imagina que você nunca vai ter a oportunidade de fazer música barroca. Ou música indiana. Isso não é triste? Só porque você não nasceu no período barroco nem na Índia. Ei, você pode fazer algo parecido. Mas não, nunca será música barroca."
cafecomritalina.wordpress.com/.../







A sonoridade vocal e a prática coral no
Barroco: subsídios para a performance
barroca nos dias atuais
Angelo José Fernandes (UNICAMP, Campinas)
angelojfernandes@uol.com.br
Adriana Giarola Kayama (UNICAMP, Campinas)
akayama@iar.com.br

Resumo: Este trabalho é uma pequena parte de uma ampla pesquisa sobre prática e sonoridade de diversos estilos de música coral. A partir de uma investigação bibliográfica, que inclui autores desde o período Barroco, temos como objetivos: a descrição da sonoridade vocal e coral ao longo do referido período; a abordagem dos tipos vocais da época; a análise de alguns procedimentos técnico-vocais; a descrição de características importantes da prática coral no período; e, por fim, uma apresentação de sugestões técnicas e estilísticas para a prática da música coral barroca na atualidade. Palavras-chave: Barroco; música vocal; música coral; técnica vocal; práticas interpretativas.

Dos vários aspectos interpretativos da música barroca, um
dos mais difíceis de se entender e, talvez, o mais crucial
para a execução como um todo é a realidade do som com
a qual a música era produzida. Durante o Barroco houve
um grande desenvolvimento da música instrumental
e não há razão para se acreditar na existência de dois
padrões de sonoridade – um para vozes e outro para
instrumentos. Assim como o som dos vários instrumentos
musicais, a sonoridade vocal já caminhava para o que
mais tarde GARCIA (1985, 1ª parte, p.9) chamou de voix
sombré1. Contudo, a qualidade sonora da voz no Barroco
ainda mantinha muito do som renascentista,2 porém,
adaptado ao novo estilo.


1. Estilo e sonoridade vocal:
um apanhado histórico
Josquin Des Prez e sua geração introduziram na música
cantada uma tendência de humanizar e dar maior
expressão ao significado do texto. Tal tendência se
desenvolveu e encontrou seu ponto máximo nos madrigais
do fim do século XVI e princípio do século XVII. A partir
dessa herança, Monteverdi e seus contemporâneos
introduziram o stile concitato, uma projeção de intensa


dramaticidade do texto que se alternava entre recitativo
e ária. Outra herança deixada pela Renascença é o
conceito de sonoridade. Newto n (1984, p.21) ressalta
que “o prazer sensual da voz cantada que fazia parte
do humanismo do século XVI jamais foi perdido no
desenvolvimento da seconda prattica.” Qual seria, então,
o som do canto no stile concitato? Ulrich (1973, p.20;
apud NEWTON, 1984, p.21) observa que:
“A voz perfeita deve ser aguda, musical, forte (vigorosa) e clara;
aguda, de maneira que tenha brilho; clara para que satisfaça o
ouvido; forte (vigorosa), de maneira que não oscile ou perca sua
intensidade (ou baixe a afinação); musical para que não agrida os
ouvidos, mas os acaricie e seduza os corações dos ouvintes e os
prenda. Se alguma dessas qualidades faltar [a uma voz], então esta
não é uma excelente voz.”
Caccini, no decorrer do século XVII, aceitava este ideal
sonoro básico, embora ensinasse aos seus alunos, um
estilo baseado na intensificação do sentido do texto.
Inegavelmente, o volume de som das vozes aumentou como
resultado da maior ênfase no canto solo, mas a qualidade
sonora clara, brilhante e com um mínimo de vibrato fora
mantida. A única mudança real feita por Caccini foi a de
rejeitar o uso do falsete no canto solista. Ele sugeria aos


alunos que transpusessem os tons das canções para um
tom que pudesse ser cantado confortavelmente na voz
natural. Na verdade, a técnica vocal não estava pronta
para ser mudada. Embora fosse limitado para dar a devida
intensidade dramática às primeiras óperas barrocas,
o som suave que vinha da Renascença foi cultivado.
Assim, os recitativos muito dramáticos, importante parte
das óperas do Barroco inicial, foram desaparecendo em
favor das árias – mais adequadas às vozes do século XVII.
Segundo Newto n (1984, p.23), essa mudança na forma
que gerou a brusca distinção entre recitativo e ária, é um
dos principais fatores de separação do Barroco inicial do
restante do período.
Na França e na Inglaterra a entrada na era barroca foi
mais lenta que na Itália, embora os músicos italianos
fossem sempre bem vindos nesses países. Elliott (2006,
p.41) afirma que graça e beleza são duas das mais
importantes características da música barroca francesa.
Sua mais importante forma musical foi a air de cour3, que
não representava uma ruptura real com o passado como
a monodia representava na Itália. A partir de 1660 este
estilo, no qual as linhas melódicas foram se tornando
cada vez mais fragmentadas por ornamentos, caiu em
desuso em Paris e os agréments4 altamente estilizados se
tornaram o novo estilo. Na Inglaterra a música barroca
foi moldada com base na tradição teatral, na poesia e na
retórica. As lute songs5 foram muito representativas neste
período, pois também eram baseadas numa longa tradição
da canção solo que já existia neste país. A Alemanha,
por sua vez, permitiu uma entrada da influência italiana
muito maior do que a França e a Inglaterra. De qualquer
forma, assim como nos outros países, a ópera demorou
mais tempo a chegar.
Conforme já relatamos, as principais mudanças na música
vocal na Itália ocorreram na quarta e quinta décadas, em
função da separação do recitativo da ária e da explosiva
popularidade do canto virtuosístico. A ária se tornou
mais simples em sua estrutura, abandonando a grande
carga de cromatismo do estilo monódico e investindo
numa expressividade estilizada que veio a ser chamada
de Affektenlehre ou Doutrina dos Afetos. Essa mudança
ocorreu, principalmente, porque a técnica vocal do século
XVII, ainda ligada ao legatto suave do canto medieval e
do moteto renascentista, se adaptava mais facilmente ao
estilo florido do que ao stile concitato.
Na primeira metade do século XVIII Bach e Handel
levaram a estética barroca ao seu mais alto grau de
expressividade, enquanto que seus contemporâneos
encontravam uma nova estética baseada no sentimento e
na expressão pessoais. Durante o século XVIII, a doutrina
dos afetos chegou a um ponto no qual as figuras musicais
ilustrativas raramente apareciam, embora tenham sido
um elemento importante na música de Bach e Handel.
Newto n (1984, p.28) observa que:
“Esta nova ênfase na expressão como a alma da música – porque
sem isto a música é somente um agradável tocar de sons – marcou


o que pode ser considerado o ponto intermediário na maneira de
cantar que começou a emergir no meio do século XIX, as primeiras
pistas da nossa técnica vocal contemporânea. As vozes estavam
respondendo muito bem a este novo conceito de sentir no
cantar.”
2. O cantor barroco: tipos vocais e suas
características
Seria possível detectar alguma mudança ocorrida no som
vocal do princípio do século XVI ao final do século XVIII?
Segundo Newto n (1984, p.45), embora Burney (1957,
v.2, p.9) tenha escrito sobre o que seria o canto eficiente
no final do período Barroco, tal citação pode nos ajudar a
responder esse questionamento:
“O bom canto requer uma voz clara, doce, regular, flexível, e
igualmente livre de defeitos nasais e guturais. É, porém, pelo
som da voz e articulação das palavras que um cantor é superior
a um instrumentista. Se ao crescer em uma nota a voz treme
ou varia a afinação, ou as entoações são falsas, ignorância e
ciência são igualmente ofendidas; e se um trinado perfeito, o
bom gosto no embelezamento e uma expressão tocante estão
faltando, a reputação do cantor não fará grande progresso entre
os avaliadores verdadeiros. Se em divisões rápidas as passagens
não são executadas com clareza e articulação, ou se adágios, luzes
e sombras, emoção, variação de cor e expressão estão faltando, o
cantor poderá ter certos tipos de méritos, mas ainda está distante
da perfeição.”
Assim, Newton conclui que o ideal básico sonoro não mudou
muito, uma vez que foram preservadas características
como a clareza do som e a entonação precisa. A
diferença se encontra no aumento do repertório de afetos
interpretativos que o cantor de ópera necessitava, ao
contrário do cantor dos coros sacros do período anterior.
Além disso, devemos lembrar que o cantor barroco
precisou aumentar sua extensão e seu volume vocais.
Contudo, os cantores parecem ter utilizado a mesma base
técnica de produção vocal, desenvolvida para se obter um
maior domínio virtuosístico. A necessidade de uma maior
extensão vocal acabou por enfatizar um aspecto técnico
que formalmente não era tão importante: a junção dos
registros vocais. O domínio desta técnica se tornou crucial
e os cantores eram julgados pelo nível de perfeição que
eles eram capazes de adquirir.
Do princípio do século XVII até os primórdios do século XIX,
os cantores, com exceção dos castrati, eram classificados
como trebles, falsetistas, contratenores, tenores e baixos.
O termo treble incluía as vozes de mulheres e de meninos,
enquanto o termo soprano se referia ao castrato. Em
geral, os falsetistas eram cantores corais e raramente
solistas. Diferentemente dos falsetistas que, normalmente,
eram barítonos, os contratenores possuíam vozes agudas
e leves, capazes de passar para o falsete sem qualquer
mudança perceptível. A voz de tenor era mais pesada e
cantava normalmente na extensão de um barítono agudo.
O barítono, com as características atuais, não existia.
Existiram sim, alguns importantes baixos, como Palantrotti,
contemporâneo de Caccini e Gosling, amigo de Purcell.
Elliott (2006, p.20) ressalta que na Itália do século XVII
as vozes agudas eram as favoritas. Cantoras mulheres

adquiriam grande fama na ópera e os tenores eram
também muito admirados. Entretanto, os castrati é que
se tornaram os mais famosos, primeiro nas igrejas e, até
o fim do século, também na ópera. Os franceses não se
identificavam com a excessiva expressividade emocional
da música italiana e, da mesma forma, a voz do castrato
e a ambigüidade sexual, tão popular na ópera e na
cultura italiana da época, os deixavam incomodados.
Assim, os castrati eram raramente usados. Algumas
mulheres cantavam na corte, e grupos de meninos eram
utilizados para a execução das linhas agudas (dessu)
tanto na musique de la chapelle quanto na musique
de la chambre. Elliott (2006, p.42) observa que o tipo
vocal que mais chamava atenção era o haute-contre,
um tipo de tenor agudo e de voz leve que já provocou
debates consideráveis. Na música coral os haute-contre
cantavam as partes de contralto. Na Inglaterra, antes
da Restauração (1660), as mulheres não faziam parte
das performances musicais e teatrais. As partes agudas
cantadas eram executadas por meninos. Somente após a
Restauração, com a reabertura dos teatros, as mulheres
passaram a tomar parte nas performances profissionais.
As partes corais eram normalmente indicadas para treble,
countertenor, tenor e bass. A parte que causa maiores
especulações e controvérsias entre os musicólogos é a
de contralto ou contratenor, no caso. Considerando que
na época se usava uma afinação mais baixa, muitas das
partes escritas para esta voz eram graves para o que
conhecemos hoje como contraltos e contratenores. Alguns
estudiosos sugerem que Purcell escrevia suas obras para
dois tipos diferentes de contratenores, alguns mais graves
e outros mais agudos. Há também quem afirme que os
contratenores ingleses eram tenores leves e muito agudos
como os haute-contre franceses. A afinação mais baixa
também influenciava as outras vozes. As partes de tenor
eram cantadas também por barítonos e as partes de baixo
apenas por vozes de autênticos baixos. É importante
ressaltar que, ao contrário do que acontecia na Itália e na
França, os baixos ingleses tinham bastante popularidade.
De todos os tipos vocais barrocos, os castrati foram
sem dúvida os principais. Não se sabe ao certo quando
o primeiro castrato passou a integrar os coros da igreja
ocidental, mas a partir da metade do século XVI eles já
faziam uma perceptível diferença na prática desses coros.
Também não é possível determinar quando os meninos
castrados passaram a pretender uma carreira de cantor. O
fato é que nos coros crescia a probabilidade de um menino
cantor vocalmente habilidoso garantir seu emprego por
longo tempo.
Os estudiosos suspeitam que o pior dos castrati possuía
uma voz “superior” a de um bom falsetista. O som do
falsetista devia ser parecido com o de um contralto
masculino que, ainda hoje, pode ser escutado em algumas
catedrais que mantêm apenas homens e meninos em
seus coros. Trata-se de um som robusto, de extensão
vocal limitada e raramente de real beleza, embora
satisfatório para a música coral, especialmente quando

misturado com o som puro dos meninos Tais falsetistas
passaram a ser substituídos pelos castrati, na medida em
que esses se tornavam mais disponíveis. Grande parte
dos mais importantes castrati foram membros do coro
papal. Numa tentativa de descrever a sonoridade de um
castrato, Brodnitz (1976, p.20 apud NEWTON, 1984,
p.35) nos reporta à dissecação do corpo de um castrato
de 28 anos de idade em 1909:
“A fenda da tireóide era dificilmente visível e a laringe inteira
era visivelmente pequena. O comprimento das cordas vocais
equivaliam a somente 14 mm, o que corresponde às cordas vocais
de uma soprano coloratura.”
Pregas vocais deste tamanho são naturalmente mais
fortes em corpos masculinos. Baseado nesses fatos e na
descrição acima, Newto n conclui que as pequenas pregas
indicam não apenas a extensão vocal aguda, mas ainda,
o som puro e claro do soprano ligeiro e a força muscular
desenvolvida significam que o som podia ser bem potente,
embora provavelmente estridente caso utilizasse muita
intensidade ou esforço para conseguir volume.
Não obstante, mais do que qualquer outra característica
dos castrati, devemos ressaltar sua extraordinária técnica
de florido que extasiava os amantes da ópera, além de
suas habilidades de cantar longas passagens em um único
ciclo respiratório, sua velocidade, e a clareza de seus
trinados.
3. Considerações sobre aspectos técnicovocais
no Barroco
Infelizmente as fontes que descrevem a respiração
no canto Barroco são poucas. Os autores da época
ressaltam a importância de se desenvolver um controle
respiratório eficiente, mas nunca entram em detalhes
sobre como o cantor deveria administrá-lo. O que não
sabemos é se tal controle era adquirido pela respiração
clavicular, intercostal ou diafragmática. Apesar da
escassez de informações, há duas breves citações de
alunos de castrati italianos: Johannes Miksch e Bernardo
Mengozzi, que apontam à importância do tórax elevado,
mas são contraditórias no tocante à sua movimentação
no processo de inspiração e expiração do ar. Segundo
Friedland (1970. p.8), Miksch escreveu que:
“Ao cantar, a barriga deve ser contraída e o peito erguido, para
segurar no peito o ar puxado através da boca e do nariz, e, a partir
disso, soltar [o ar] aos poucos, como se fosse uma expiração lenta,
sem o movimento do peito.”
Mengozzi escreveu o Methode du Chant de Conservatoire
no qual, segundo Arger (1913-31, p.1006 apud NEWTON,
1984, p.48), diz que:
“Na ação de respirar para cantar, na inspiração é necessário
achatar a barriga e fazê-la expandir nova e imediatamente,
enchendo-a e erguendo o peito. Na expiração, a barriga deve
voltar vagarosamente a seu estado natural e o peito se abaixa
proporcionalmente, para conservar e controlar, por o máximo de
tempo possível, o ar introduzido aos pulmões: deve-se deixá-lo
escapar apenas devagar e sem dar uma pancada no peito.”

Baseado nessas descrições, concluímos que a respiração
para o canto era, de fato, diferente da que hoje chamamos
de “respiração abdominal”.
Outro dos mais indiscutíveis aspectos do canto Barroco
é a exploração e junção dos registros vocais. Com a
decadência do stile concitato na Itália e o crescimento da
popularidade do castrato, as preferências em relação à
sonoridade da voz mudaram e as objeções ao uso do falsete
foram desaparecendo. Ao mesmo tempo “os cantores
descobriram que pela junção do falsete com a voz de peito
eles poderiam aumentar suas extensões para a crescente
exigência da música” (NEWTON, 1984, p.52). O ensino de
canto passou a enfatizar o trabalho de fortalecer o falsete
e igualá-lo, o mais próximo possível, à voz de peito. Para se
atingir tal homogeneidade utilizava-se o portamento que,
no canto italiano dos séculos XVII e XVIII, não significava
o que veio a significar nos séculos seguintes. Tratava-se de
uma técnica para igualar a escala pela suave passagem de
uma nota a outra sem quebras ou mudanças da qualidade
sonora. Segundo Mancini (1774, p.91):
“Entende-se por este portamento nada mais que um passar,
ligando a voz de uma nota para outra com perfeita proporção
e união, tanto subindo quanto descendo. Ele será mais belo e
perfeito quanto menos for interrompido em tomar o fôlego, pois
deve ser uma gradação límpida e justa que deve reger e ligar o
passar que se faz de uma nota para outra.”
Para Newton, embora nenhum dos professores de canto
da época tenha descrito com exatidão como a junção
entre os registros devia ser adquirida, eles deixavam claro
que tal junção era essencial. Tosi afirmou que:
“Muitos mestres colocavam seus estudantes para cantar de
contralto, sem saber como ajudá-los no falsete ou evitar a
dificuldade de encontrá-lo. Um mestre aplicado, sabendo que um
soprano, sem o falsete, é forçado a cantar dentro de uma extensão
limitada a poucas notas, deve não somente se esforçar para ajudar
o aluno a encontrar o falsete, mas também não deixar nenhum
recurso sem ser testado, para assim unir a voz falsa e a natural, de
modo que elas fiquem indistinguíveis; pois caso elas não se unam
perfeitamente, a voz terá diversos registros e, consequentemente,
perderá sua beleza.” (TOSI, 1926, p.23 apud NEWTON, 1984,
p.54).
Newton observa que Tosi não deixa claro se falsete e voce
finta eram sinônimos. O que parece provável é que voce
finta se referia às notas coincidentes da voz de peito e
do falsete que deviam ser perfeitamente unidas a fim de
se passar suavemente de uma parte a outra da extensão
do cantor.
Segundo Newto n (1984), Quantz (1966) afirmou que
a junção da voz de peito com o falsete era desconhecida
pelos cantores alemães e franceses. Provavelmente,
Quantz queria dizer que, embora tais cantores da época
usassem o falsete, somente os italianos é que sabiam
juntar os dois registros de forma homogênea. Uma vez
que o canto apreciado implicava numa extensão vocal
homogênea, uniforme e regular, tais virtudes só podiam
ser adquiridas a partir do uso da voz de peito de forma
mais clara e leve – diferentemente da forma como é usada

atualmente. Certamente os cantores que não atingiam tal
equilíbrio deviam usar a voz de peito de forma pesada e
escura, adquirida em função do estilo mais dramático do
princípio do Barroco.
A ópera francesa desenvolveu uma boa arte dramática.
Contudo, o canto francês em si sofreu uma ruína gradual
ao longo do século XVIII. A ênfase primária nas vogais
corretas impediu que os cantores desenvolvessem
uma sonoridade “ideal” como os italianos. Alguns dos
sons vocálicos tornavam-se um problema se nenhuma
modificação fosse permitida. Uma vez que os franceses
não desenvolviam uma técnica natural e livre, eles eram
forçados a aumentar a intensidade de suas vozes para
cantar com orquestra o que resultava numa perda de
qualidade. Newto n (1984, p.61) se pergunta “por que
a pedagogia dos franceses parecia levá-los a resultados
mais pobres nessa técnica de tornar homogênea a
extensão vocal?” Bérard (1969, p.68, apud NEWTON,
1984, p.62), então afirma que:
“Para formar sons agudos é necessário que a laringe suba; isto é,
para formar um som seis vezes mais agudo que outro, a laringe
deve subir seis ‘degraus’, por seis linhas, por exemplo; e para formar
um som meio degrau acima, a laringe deve se elevar meia linha.
É compreensível que devido à razão inversa, a laringe deve descer
para sons graves, e que os degraus para se descer são exatamente
as mesmas proporções dos degraus de elevação nos sons agudos.”
Na escola italiana nenhum escritor deixou algo substancial
e detalhado sobre procedimentos técnicos desta natureza,
com exceção de Nathan, treinado por Domenico Corri,
que aborda esta questão do levantamento da laringe. Em
seu livro publicado em 1836 ele afirma que:
“É claramente visível a elevação [da laringe] na produção de notas
agudas e [seu] rebaixamento em notas graves. Assim, por esse
motivo de efetuar a maior elevação possível deste órgão, nós quase
involuntariamente recuamos a cabeça ao fazer grandes esforços
cantando.” (NATHAN 1836, p.119 apud NEWTON, 1984, p.62).
É interessante notar que Bérard ensina que se deve mover
a laringe para cima para se cantar notas mais agudas
enquanto Nathan afirma que isso simplesmente acontece.
Provavelmente, o que a escola francesa recomendava
pode ter causado dificuldades ou transtornos para os
cantores. O caminho italiano de permitir que as coisas
acontecessem naturalmente era mais eficaz.
A partir das afirmações sobre qualidade sonora, posição da
laringe e outros aspectos, concluímos que o direcionamento
da voz era o mais frontal possível. Naturalmente, por
questões interpretativas, tal direcionamento podia variar,
mas era basicamente a voz projetada de forma frontal
que poderia alcançar a combinação de leveza e plenitude
tão características no Barroco.
A dicção é outro importante aspecto do canto barroco.
É fato que existe uma certa nasalidade na pronúncia
das vogais francesas. Na era barroca, parece ter havido
também um uso da ressonância nasal por parte dos
cantores italianos. Segundo Bacon (1966), a pronúncia
dos ingleses era mais sibilante e levemente gutural.

Burney (1957) afirma que as vogais alemãs tinham
uma boa sonoridade apesar das consoantes. Bacilly
(1968) e Bérard (1969) dedicaram grandes partes de
seus trabalhos à dicção francesa. É importante notar
que alguns desses trabalhos apontam certos detalhes
diferentes do uso atual:
“Há, particularmente, uma análise cuidadosa de sílabas longas e
curtas. Já que as sílabas são uma preocupação, não de enunciação
no canto, mas de considerável base poética, é instrução para
o compositor e não para o cantor e demonstra novamente o
predomínio da poesia sobre a música. Não é surpreendente então
que, com esta ênfase na declamação, a produção de sons belos
com a voz se tornou uma consideração secundária geralmente
negligenciada. Também não é surpreendente que ninguém, além
dos franceses, tenha apreciado esta declamação; tudo que os
estrangeiros ouviam era um canto ruim causado pela técnica
falha, junto com uma má vontade de se modificar a vogal para o
benefício do som absolutamente bonito.” (NEWTON, 1984, p.65).
Os cantores italianos também estavam interessados na
projeção do texto como os franceses, mas partiam do
princípio de que grande parte do público queria ouvir
a música. A articulação estava intimamente ligada à
produção de uma sonoridade vocal esteticamente bonita.
Tosi orientava o professor da seguinte maneira:
“Faça o estudante proferir as vogais distintamente, para que sejam
ouvidas como realmente são. Certos cantores crêem produzir o
som da primeira [(vogal a)], mas fazem ouvir o da segunda [(vogal
e)]. Se a culpa não é do mestre, o erro é daqueles cantores que,
assim que saem de suas lições, desenvolvem um canto afetado,
por se envergonharem de abrir um pouco mais a boca; alguns
outros, talvez por abri-la demasiadamente, fazem com que essas
duas vogais sejam confundidas com a quarta [(vogal o)].” (TOSI,
1723, p.15).
Tosi distinguia cuidadosamente entre os estilos para
igreja, teatro e câmara, e chamava a atenção dos
professores para que ensinassem seus alunos a atingir
uma boa pronúncia. Mancini, mais explícito no tocante
à abertura da boca e sua posição ideal de um “sorriso
natural”, observou que:
“Convém que o mestre faça seu estudante conhecer com provas
evidentes que esta mesma postura [forma da boca] deve servir em
qualquer articulação de vogal. E para convencê-lo com absoluta
certeza, faça-o pronunciar as cinco vogais a, e, i, o, u, com esta
postura de boca indicada, e verá que ela não recebe outra mudança
que ao proferir o ‘o’ e o ‘u’, porque pronunciar o ‘o’ obriga somente
uma quase invisível mudança na boca e para pronunciar a vogal
‘u’ deve-se juntamente avançar um pouco os lábios, e de tal
maneira que a boca não se afaste de seu modo natural e fique
no seu estado anterior, e evite todas as perniciosas caricaturas.
Não se deve acreditar com isso que a boca deva ficar sem seus
movimentos naturais que convém por necessidade não só para
pronunciar as palavras, mas também para expandir e clarear a voz
na medida em que a arte ensina.” (MANCINI, 1774, p.69).
Este método de pronunciar todas as vogais com uma única
posição da boca garantia a igualdade dos sons vocálicos.
A área de ressonância se mantinha substancialmente do
mesmo tamanho, independente de quanto sua forma
mudou com o movimento da língua e dos lábios. Assim, os
cantores podiam alcançar uma qualidade sonora uniforme
em todo o espectro vocálico; o movimento menor e a

maior ação da língua e dos lábios proporcionavam uma
forma de articulação das consoantes mais eficiente; e,
por fim, esse método acabava por auxiliar os cantores na
junção dos dois registros.
O uso do vibrato no início do Barroco é um tema bastante
polêmico. Os escritores da época tinham opiniões
conflitantes e não utilizavam uma descrição concorde
nem a respeito do que era o vibrato. Atualmente, entendese
que o vibrato é um aspecto natural do canto saudável.
Contudo, podemos afirmar que as várias citações da
época a favor do vibrato afirmam que ele devia ser
usado com prudência e moderação, provavelmente
como um ornamento e não continuamente presente. A
inconsistência na utilização de termos diversos por parte
dos escritores da época acaba por causar discordâncias
entre os escritores e intérpretes atuais. É importante
distinguir entre uma nota afetada por uma instabilidade
da intensidade causada por pequena variação na pressão
do ar que resulta num vibrato estreito de uma nota cuja
altura real é alterada por um ornamento específico. De
qualquer forma, se o vibrato estava presente no canto
do século XVII, ele era menor e menos perceptível, e
certamente não alterava a altura das notas. No século XVII,
os cantores cantavam em ambientes diferentes dos que
utilizamos atualmente, quase sempre pequenos e íntimos,
o que os levava a produzir sons leves e gentis. Eles eram
prevenidos contra cantar de forma gritada e contra forçar
suas vozes além de seus limites naturais. Igualmente,
as grandes igrejas, não requeriam o tipo de volume ou
esforço que se espera dos cantores de ópera atuais. Como
conseqüência, a produção do vibrato era mais sutil. No
Barroco tardio o vibrato ainda era considerado como um
ornamento a ser utilizado de forma seletiva, entretanto,
sua aceitação era maior.
4. Os coros barrocos
4.1. A prática do moteto tradicional e prática do
stile concertato
Desde o princípio do período barroco a prática da música
coral religiosa incluía dois tipos de repertório: o tradicional
de motetos renascentistas compostos durante o século
XVI e motetos compostos pelos primeiros compositores
barroco; e o repertório composto no novo stile concertato
o qual incluía as cantatas e trazia novas características
musicais. Os instrumentos musicais já não eram mais
utilizados apenas para dobrar ou substituir alguma voz do
coro e as exigências de sonoridade para os coros incluíam,
entre outros aspectos, contrastes entre grupos maiores e
menores de cantores.
O repertório tradicional de motetos e as obras compostas
no novo estilo exigiam níveis de habilidade musical
diferenciados. Além disso, sua execução necessitava de
diferentes tipos de coros. Parrot (2000, p.29) conclui
que os coros que cantavam motetos eram geralmente
maiores do que os que cantavam cantatas. O autor cita
Thomas Selle que dizia que “[na performance] de motetos
devia haver duas vezes mais [cantores], [...] uma vez
que as igrejas em Hamburgo eram espaçosas e grandes,

e toda a força da música dependia do texto” (SELLE,
1642 apud KRÜGER, 1933, p.68). Johann Adolph Scheibe
sugeria que “sempre que possível, dever-se-ia usar um
contingente muito forte de cantores para a [performance]
dos motetos; de outra maneira a expressão ficaria fraca
e medíocre, mesmo que o compositor tivesse tido uma
grande preocupação para prevenir isso” (SCHEIBE, 1745,
p.182). Este último ainda chegou a afirmar que “cada
parte vocal deveria ter várias pessoas [para executá-la]”
(SCHEIBE, 1745, p.185). Contudo, ressaltamos que embora
os motetos se prestassem à execução com muitas vozes,
tal quantidade não era tão necessária no período final
do Barroco, posto que o próprio Bach, em seu Entwurff
§8, afirmou que seus motetos podiam ser cantados por
poucas vozes.
4.2. O tamanho dos coros
É sabido que durante o período renascentista os coros das
igrejas e capelas das cortes viveram certo crescimento em
número de cantores. Contudo, salvo algumas exceções,
no Barroco este crescimento não teve continuidade.
Apenas alguns poucos coros que, podendo contar com um
patrocínio favorável, cresceram em número de cantores.
O coro da capela real francesa, por exemplo, manteve
durante a segunda metade do século XVII um número em
torno de 60 cantores patrocinados por Louis XIV. Outra
exceção comum no Barroco era o aumento temporário
dos coros para a realização de fatos importantes. Esse
aumento acontecia juntando-se dois ou mais grupos,
ou ainda, contratando-se cantores adicionais. Os coros
da capela real inglesa e da Abadia de Westminster, por
exemplo, normalmente cantavam juntos em ocasiões
de coroações. Por sua vez, o coro da igreja de São
Petrônio, em Bologna, empregava cantores adicionais
na ocasião da festa do santo padroeiro. De qualquer
forma, a realidade era bem diferente do que mostram tais
exceções. Principalmente pela carência de patrocínios, os
coros eram normalmente menores que seus predecessores
renascentistas ou, na melhor das hipóteses, mantinham a
média dos números atingidos durante o século XVI, ou
seja, apesar da existência de coros maiores ou menores
dependendo da época e do local, o número de 30 a 40 vozes
que se tornou comum durante a Renascença continuou a
ser considerado como um número satisfatório ao longo
do período Barroco.
4.3. A natureza dos coros: concertistas e
ripienistas
Com olhos focados nas tradições luteranas do século
XVII, podemos detectar que neste período, o termo “coro”
possuía um significado mais amplo do que o atual. Podia
significar um grupo instrumental, grupos de uma voz
ou um instrumento por parte, ou ainda, um coro maior.
Schütz esboça uma distinção clara entre dois tipos de
coros para a execução de alguns de seus “Salmos de
Davi” (1619). No prefácio da obra ele observa que, “o
segundo coro é usado como uma capella e, por isso, é
forte, enquanto o primeiro coro, que por sua vez é o coro
favorito, é [um coro de sonoridade] leve, e formado por

apenas quatro cantores” (SCHÜTZ, 1619). Analisando a
instrução de Schütz, Parrot conclui que as seções escritas
para capella eram apropriadas para um maior número de
vozes por parte, enquanto que todo o restante devia ser
executado por poucas vozes escolhidas. Ele ressalta que:
“Embora nós possamos ser induzidos a associar o primeiro
coro [capella] com a [idéia de que este era] o coro real e,
subconscientemente, pôr de lado o segundo [coro favorito] como
sendo um mero quarteto vocal e por isso não exatamente um
coro, o tratamento [que este termo recebia] no século XVII é claro:
ambos os grupos eram classificados perfeita e naturalmente como
‘coros’. Além disso, nós devemos notar que não é o grupo de maior
número de vozes que é o ‘favorito’ em tais obras, mas o pequeno
grupo de elite [formado por] vozes solistas – o consort vocal.”
(PARROT, 2000, p.4).
Para a performance de suas Kirchenstücke,6 Bach sugeria
que os cantores fossem divididos em dois grupos – os
concertistas e os ripienistas. Essa distinção simples e
convencional introduz um princípio que é fundamental
para entendimento de como a música no stile concertato
era executada no tempo de Bach. As pré-concepções
modernas podem nos induzir a relacionar o ripienista
com o atual cantor coral, e o concertista com o solista.
Entretanto, voltando os olhos para as tradições luteranas
desde o tempo de Praetorius, podemos constatar que
as responsabilidades dos concertistas incluíam as duas
funções – o canto solista e o canto coral. Praetorius
ressalta a importância dos concertistas, afirmando que
eles eram “a base de todo o concerto” (PRAE TORIUS, 1619,
p.196). Quanto aos ripienistas, entendemos que seu papel
era apenas o de reforçar a sonoridade dos concertistas em
alguns momentos de uma obra e nunca o de substituí-los.
Durante todo o Barroco foram mantidos os mesmos
princípios. Citando Snyder, Parrot mostra que Buxtehude
“pretendia que a maioria de suas obras para quatro vozes
não [fosse executada] por coros, mas por um grupo de
solistas” (SNYDER, 1987, p.366 apud PARROT, 2000, p.33).
O autor ainda cita Mattheson que no princípio do séc.
XVIII diferenciava de forma clara os dois tipos de coros
utilizados em peças escritas para três ou quatro coros:
o primeiro – que tinha seu próprio apoio instrumental
– chamado Capella, e o segundo que era “um coro
de cantores que formavam o coro principal e [que]
consistia de concertistas, que eram os melhores cantores
selecionados; esse era onde os executantes chefes ficavam
[localizados] e [para quem] a direção [musical] era dada”
(MATTHESON, 1713, p.158 apud PARROT, 2000, p.34).
É importante mencionar que “os cantores chefes” não
eram solistas separados e discretos que cantavam apenas
esporadicamente, em algum movimento escrito para
solo. “Eles constituíam um coro – na verdade, o coro
principal da obra, o próprio centro da composição e de
sua performance” (PARROT, 2000, p.34). Não há muitas
razões para se acreditar que essa prática não teria
continuado a existir ao longo da primeira metade do
século XVIII, atingindo, portanto, a obra de Bach. Em seu
Entwurff o compositor determina que para a execução de

suas cantatas os cantores fossem divididos em concertistas
e ripienistas. Através desta indicação, Bach nos revela o que
já nos parece claro desde o princípio desta investigação
– diferentemente dos solistas de hoje, os concertistas eram
membros do coro, embora fossem “uma seleção dos melhores
cantores” (WAL THER, 1732 apud PARROT, 2000, p.35).
Por fim, ressaltamos que essa prática baseada foi
empregada em toda a Europa, com menor freqüência
em Veneza e Roma, onde a estética do contraste era
vivenciada através das performances policorais. Na
segunda metade do século XVII essa prática foi ainda
explorada na Inglaterra e na França. O grand motet
francês dependia do contraste entre o grand choeur e
o petit choeur. Da mesma forma, a prática do anthem
inglês dependia do contraste sonoro entre os solistas
– que cantavam os verses – e o coro.
4.4. A música policoral
A música composta para dois ou mais coros não foi
uma novidade do período Barroco. Muitos compositores
renascentistas como Palestrina em Roma e Willaert
em Veneza se dedicaram à escrita de obras policorais.
Entretanto, no período barroco a performance policoral
foi explorada de maneiras diferentes, principalmente
na questão timbrística, posto que os compositores não
somente escreveram obras para coros com formação
convencional (SATB/SATB), mas também para coros com
formações que explorassem contrastes de timbre (SSAT/
SATB/TTTB, por exemplo).
S. Marco em Veneza tornou-se famosa por utilizar
antífonas compostas para cori spezzati.7 Esta prática
veneziana acabou por se espalhar por vários outros
países tendo sido especialmente apreciada na Alemanha,
onde foi utilizada por compositores luteranos como
Praetorius e Schütz. Em Roma, apesar de se preservar a
antiga escrita do estilo contrapontístico palestriniano, as
performances policorais se expandiram muito e atingiram
dimensões tão grandiosas que chegaram a ser chamadas
de “colossais”. Algumas dessas performances colossais
em Roma chegaram a envolver 12 coros. O grande estilo
policoral romano atingiu seu clímax no final do século
XVII com a performance de uma missa policoral a 53
vozes, dantes atribuída ao compositor Orazio Benevoli e,
atualmente, a Biber ou a Andreas Hofer.
4.5. A utilização dos instrumentos
O desenvolvimento do stile concertato favoreceu outro
caminho que também pôde contribuir com o ideal estético
do contraste: a conexão da música vocal com a música
instrumental. Os instrumentos que antes atuavam como
parte integrante do coro, reforçando ou substituindo
partes corais individuais, passaram a ser organizados em
grupos instrumentais independentes, atuando como um
ou mais coros em obras policorais.
A utilização de instrumentos nas performances
corais aconteceu aos poucos. Ainda na Renascença,

os compositores começaram a expressar o desejo
pelo contraste entre vozes e instrumentos, contudo
sem designar que partes deveriam ser realizadas por
instrumentos e, tampouco, que instrumentos deveriam
ser utilizados. Com o passar do tempo, esse quadro foi
mudando: os compositores passaram a especificar os
instrumentos que deveriam ser utilizados, o contraste
entre grupos vocais e instrumentais se acentuou e a
diferença entre os idiomas vocal e instrumental começou
a se desenvolver e aumentar. A escrita de linhas individuais
para os instrumentos no novo estilo concertato não fora
a única mudança ocorrida. O órgão passou a ter o novo
e indispensável papel de contínuo junto aos coros vocais
e instrumentais. Logo no princípio do Barroco, na medida
em que os instrumentos passaram a ter designações
específicas, houve um verdadeiro aumento da sonoridade
como resultado do crescimento dos grupos instrumentais.
Tais grupos instrumentais utilizados nas performances da
música coral no Barroco inicial não eram padronizados.
Entretanto, na medida em que o período caminhava,
eles se tornaram cada vez mais homogêneos com uma
maior utilização das cordas. Até o fim do Barroco, o
contínuo se manteve presente, e os coros passaram a
realizar suas performances junto com orquestras maiores
e padronizadas.
5. Sugestões para a construção da “sonoridade
barroca” nos dias atuais
Nossa função atual é um tanto delicada. Não poderíamos
nos isentar da função de apontar meios para a construção
de uma sonoridade adequada para a performance da
música barroca na atualidade. Antes de tudo, é preciso
estar ciente de que reconstruir “vozes perdidas” é uma
utopia. Tudo é diferente: desde a técnica vocal até a
mentalidade do público que deixa suas casas para assistir
a um concerto. Devemos nos ater aos aspectos referentes à
construção do som: timbre vocal, procedimentos técnicovocais
para se atingir tal timbre, utilização ou não do
vibrato, número de cantores por parte, tipos de cantores
e possíveis combinações entre estes, e a utilização ou não
de instrumentos.
A primeira de nossas conclusões é o fato de que o som
brilhante, rico em harmônicos, claro, leve e intenso é,
se não o “ideal”, o mais adequado para as vozes. Assim,
sugerimos aos regentes e cantores que trabalhem para
atingir tal clareza do timbre e leveza do som. Embora
a técnica vocal utilizada hoje seja bastante diferente
da utilizada na época, acreditamos que a partir das
ferramentas da técnica atual pode-se trabalhar um som
mais frontal e focado, além da pronúncia mais “pura” das
vogais. Neste caso é importante que, mesmo buscando o
relaxamento da região da laringe, esta não permaneça
muito baixa, e que o som seja direcionado para frente. A
leveza pode ser alcançada a partir de dinâmicas mais suaves
que também ajudarão a manter o som claro e o vibrato
mais controlado. Na verdade, nossa posição é bastante
moderada em relação ao vibrato. Assim, acreditamos que

sua utilização exigirá cuidado e discernimento por parte
dos cantores e dos regentes. A extensão vocal, a melhor
junção dos registros vocais e a flexibilidade para se cantar
passagens melismáticas e ornamentadas são aspectos
fundamentais que devem sistematicamente fazer parte
do programa de preparo vocal de qualquer cantor ou coro
que se dedique à prática da música barroca.
O próximo aspecto a se pensar é o número adequado
de cantores à performance. Os grupos da época tinham
uma média de 16 a 36 cantores. Contudo, acreditamos
que nenhum grupo coral deva se privar da execução
da música barroca em função do fato de possuir um
número de cantores fora desse padrão. É possível, ainda
que com um grupo de 40 a 50 vozes, trabalhar a leveza
sonora através do timbre e da dicção. Um trabalho
adequado com aspectos estilísticos como o fraseado e
a articulação musical também pode acrescentar muito à
sonoridade. Entendemos que nossa função não é indicar
números exatos, entretanto, consideramos relevante a
prática do contraste sonoro entre grupo de solistas e
coro. Certamente o primeiro deve fazer parte do grupo
maior como era no período Barroco. O diretor ou regente
deverá se encarregar de estudar as obras a serem
executadas e, baseado em um conhecimento sólido
sobre a prática coral barroca, separar as partes que

serão cantadas por todo o coro e aquelas que ficarão a
cargo do grupo solista.
Sobre os tipos vocais adequados, acreditamos necessário
destacar que os tenores devem ser bem agudos. Um grupo
vocal cujos tenores são limitados na região aguda é quase
impossível de funcionar. Assim, na falta de tenores agudos,
sugerimos que se trabalhe o falsete de forma sistemática
em busca de uma maior uniformidade sonora em toda a
extensão vocal. Os baixos devem possuir vozes ricamente
ressonantes nos graves, porém não “entubadas”, e, bem
leves na região aguda. A presença de contratenores é
extremamente útil para este tipo de agrupamento vocal.
Embora as linhas de soprano sejam agudas e as de contralto
normalmente graves para os contratenores, sugerimos a
combinação de contraltos mulheres e contratenores para a
execução da linha de contraltos. Tal combinação pode criar
um timbre agradável e apropriado. O naipe de sopranos
necessita de vozes com a habilidade de cantar tessituras
agudas sem esforço ou com volume excessivo.
Para concluir ressaltamos que a música vocal barroca deve
ser executada com os instrumentos segundo a vontade
dos compositores. Na medida do possível, deve-se optar
pela utilização de instrumentos de época os quais, por sua
sonoridade peculiar, acrescentarão muito à performance.

Referências
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Conservatoire. Paris: Delagrave, 1913-31.
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BRODNITZ, Frederick. The age of the castrato voice. In: Bulletin of the National Association of Teachers of Singing. Vol.
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BURNEY, Charles. A general history of music: from earliest ages to the present period. 2 vols. London, 1776-89. Editado
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WAL THER, Johann Gottfried. Musikalisches Lexikon. Leipzig, 1732.
Angelo José Fernandes é regente, natural de Itajubá/MG. É mestre em Práticas Interpretativas (regência) pelo Programa
de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, especialista em
regência coral e bacharel em piano pela Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Atualmente
é doutorando em Práticas Interpretativas (regência) pelo mesmo programa, tendo como orientadora a Profa. Dra. Adriana
Giarola Kayama. Atua intensamente como regente coral, tendo alcançado destaque por sua atuação à frente do Madrigal
Musicanto de Itajubá, recentemente premiado no 10th Athens International Choir Festival, na Grécia, onde conquistou
a medalha de prata na categoria Chamber Choirs (coros de câmara) e a medalha de bronze da categoria Mixed Choirs
(coros mistos).
Adriana Giarola Kayama é doutora em Performance Practice pela University of Washington, EUA; docente da UNICAMP,
atuando nas áreas de canto, técnica vocal, dicção e música de câmara; coordenou os cursos de Graduação e Pós-
Graduação em Música da UNICAMP.
Fernandes, A. J.; Kayama, A. A sonoridade vocal e a prática coral no Barroco... Per Musi, Belo Horizonte, n.18, 2008, p.59-68
Notas
1 Em seu Traité complet sur l’art du chant, Garcia explica que a modificação mais sutil na laringe pode alterar o timbre da voz. Segundo o autor, a
voz humana pode produzir diversos timbres os quais se reduzem a dois principais: o timbre clair (timbre claro) e o timbre sombré (timbre escuro),
também chamado de voix sombré. O timbre claro, produzido a partir de uma posição mais alta da laringe e da forma mais horizontal da boca teria
sido o timbre utilizado pelos cantores até o princípio do Romantismo, quando as várias mudanças ocorridas na prática musical exigiram das vozes
uma sonoridade mais dramática e escura – a voix sombré, alcançada pela posição mais baixa da laringe, pelo levantamento horizontal do véu do
palato e pela forma mais arredondada da boca.
2 A sonoridade vocal renascentista exigia a pureza do som, um som claro e focado sem vibrato excessivo, a habilidade de se cantar leve e com
agilidade, e o controle de um amplo espectro de dinâmicas: canto mais forte particularmente para a música de igreja, e canto de médio a suave,
para a música secular cantada nas câmaras.
3 Air de cour é o termo o usado por compositores e editores franceses de 1571 a 1650 para designar as canções seculares e estróficas cantadas nas
cortes francesas. De 1608 a 1632, aproximadamente, essas canções foram um importante gênero de composição na França. As airs de cour eram
compostas tanto para quatro ou cinco vozes a cappella como também para uma única voz solo, normalmente acompanhada por alaúde.
4 Agréments eram, normalmente, ornamentos em uma determinada nota ou ornamentos que, de alguma forma, conectavam uma nota com o texto e
seu significado.
5 Lute songs eram canções compostas do final do século XVI a meados do século XVII por compositores ingleses para voz solo e alaúde. Muitas das
coleções de lute songs eram ainda arranjadas para canto solo, alaúde e baixo ou para grupos vocais a quatro vozes, com ou sem acompanhamento
de alaúde.
6 L it.: peças para igreja. Neste contexto, a palavra significa o mesmo que cantatas.
7 L it.: coros quebrados.

segunda-feira, 1 de março de 2010

MÚSICA LIBERTÁRIA - O QUE É MÚSICA?



Por: Apolinário Alves.

COMO PODERÍAMOS RESPONDER ESSA PERGUNTA?
BEM, SE PERGUNTÁSSEMOS PARA UM MATEMÁTICO, CERTAMENTE, DIRIA:
“É MATEMÁTICA”; PARA UM FÍSICO, “É VIBRAÇÃO DE MOLÉCULAS”;
PARA UM CAPITALISTA, “MERCADORIA”.


O desenvolvimento da Música.

Refazendo os caminhos da música ocidental...

Poderíamos dizer que ela principia a partir dos cantos gregorianos. Portanto, podemos considerar como seu “berço” a Igreja.
Um marco em seu desenvolvimento é a obra de Johann Sebastian Bach (1685-1750). Ele fora o precursor da escala que conhecemos hoje. Pitágoras (582-500a. c), com o seu legado, possibilitou a J.S.Bach desenvolver sua obra.
Em suas pesquisas, Pitágoras chegou à conclusão e, principalmente, a tradução da música em matemática. Ao esticar uma corda e fazê-la vibrar, percebeu um som; dividindo em partes iguais essa mesma corda e fazendo-a vibrar novamente, notou o som uma oitava abaixo.
Depois a física veio explicar esse fenômeno; dizendo que ele acontece pelo fato das moléculas vibrarem na mesma freqüência, diferenciando somente sua intensidade. A física chama isso de ressonância.
Seguindo esse raciocínio... Para obter-se um LÁ é necessário 440hz de vibração de moléculas. Vale ressaltar que a física apenas tardiamente veio a descobrir essa alternância.
J.S.Bach fora o Vigésimo sétimo músico de sua família composta de trinta e três outros, influenciado por uma forte tradição musical. Marcou não só a música, também a cultura ocidental como um todo, de forma decisiva. Para melhor entendermos é preciso compreender a música como extensão da vida e a vida como uma totalidade: A vida é a constante, contínua e mútua troca de energia. É o que se renova a cada instante.
Devemos inclusive saber que J.S.Bach era luterano e viveu em uma época onde a Igreja tinha maior poder social que nos dias atuais. Isso lhe impôs diversas limitações. Contudo, ele foi uma figura de desempenho decisivo na música ocidental por ter modificado a escala musical. Essa modificação deu-se durante a construção da escala quando retirou meio tom de Si e de Mi, fazendo da música ocidental um eterno retorno.
Ainda que você seja um bom pianista ou toque violão como ninguém, sempre estará preso numa cadeia de notas musicais bem cadenciadas; essa é a escala, tida como “natural” pela atualidade do mundo ocidental ou ocidentalizado. Esse motivo é preponderante para que a música ocidental possa ser descrita como um círculo.
Tal descrição lembra-nos Friedrich Nietzsche (1844-1900) que nos falou do “eterno retorno”. Nietzche, Bach e Pitágoras são personalidades ímpares porque através deles se flagra o desenvolvimento da cultura ocidental. A música nas demais culturas tem uma outra organização, o que se deve a própria concepção do mundo e da vida serem diferentes. Por exemplo, vejamos a música indiana: Enquanto a música ocidental é descrita como círculo a indiana, por sua vez, costumam descrever num formato espiral; o que, de certo, não torna uma melhor que a outra, mas faz delas diferentes entre si.
O desenvolvimento da música depende da cultura na qual ela esteja inserida.


A música dos diversos povos africanos possuía um outro tempo e sentido já que os mesmos desses povos eram diferentes.
No entanto, a história da humanidade é formada por uma série de fatos que poderiam e deveriam ter sido evitados... Culturas foram e são subjugadas, hora pela espada e cruz, outrora pela sociologia e o pensamento etnocêntrico.
Enfim, a música que hoje toca na radio é cúmplice de todo esse processo, o que, é claro, não significa que a música em si não possua potenciais de rebeldia, apenas estão adormecidos por um sistema muito bem arquitetado; sistema esse que transforma música que é matemática, moléculas em vibração, em mera mercadoria; trata-se do famoso “sistema capitalista”.
Os capitalistas são as pessoas interessadas em manter esse sistema que transforma tudo em mercadoria: saúde, amizade, educação, lazer, emoções, feijão, arroz, fé, desejo, amor, da mais simples a mais complexa expressão humana todo é transformado em mercadoria. Antes da música se transformado em mercadoria ela já servia a um propósito, a um fim. Por exemplo, os cantos gregorianos serviam aos propósitos da Igreja. Enquanto idéia mercadológica, a música serve ao maior intento do mercado que é sempre a obtenção do lucro;essa é a razão de ser do capitalista e do próprio capital.
Nos últimos cem anos surgiu e vem aprimorando-se uma técnica, que o capital viu como um campo a ser explorado economicamente e uma obrigação notória de controle político: a indústria cultural. A indústria cultural é uma técnica para a formação dos indivíduos, junto com alguns aparelhos que compactuam dos mesmos interesses políticos, econômicos e de classe social. Dentre outras coisas possibilita a criação da identidade nacional.
Em crise recente das Organizações Globo o governo liberou uma quantia significativa de recursos. “As Organizações Globo fazem parte da identidade nacional", afirmou o governo, na ocasião. Mas o que não é dito é que as mesmas não só fazem parte, assim como também fabricam a identidade nacional, moldam costumes e abduzem. A indústria cultural não se restringe a uma expressão específica; não abrangendo apenas as novelas ou só a música, também todo o campo de produção artística.
Fazem parte da atuação da indústria cultural: o cinema, a música, as novelas, o teatro, as artes plásticas, a moda, os centros culturais e seus programas de formação de platéias, todo e qualquer bem cultural. Ou seja, a indústria cultural atua num campo infinito de possibilidades. Cumprindo um papel fundamental: o de formar indivíduos, é claro, seguindo as diretrizes que o mercado traça.
É de sua responsabilidade o aparecimento de bandas como "Rouge", "Bross", os movimentos de rock que, às vezes, surgem; pela saia da Sabrina, pela sandália da Darlene.
O quê a indústria cultural faz é determinar aquilo que cada um deve gostar ou não. Ela programa o que vestiremos no próximo verão, a cor da moda, a música que irá enlouquecer os foliões no carnaval etc. A música atual, está num mar revolto de confusões, em meio às “Eguinhas Pocotó”, Radcare, música clássica, passando pelo forró.
Tudo está amarrado pelo cordão umbilical da indústria cultural. É uma relação de Deus e Diabo!
Aos apreciadores e futuros músico (aqueles que tocam e cantam música), fica a responsabilidade de refletir a realidade em que ela se encontra; realidade essa que é fruto do seu próprio desenvolvimento e de contextos históricos.
Cabe a todos nós a missão de despertar a criticídade da música em todos os seus aspectos e sermos transformadores da realidade em que vivemos.
Por uma música que seja extensão da vida!
E que nossa vida mereça ser vivida!

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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

ELINÊS OLIVEIRA FALA DE TETRO, UM POUQUINHO DE MÚSICA....bom, taí


A arte dramática é um objeto semiótico por natureza. O conceito do que entendemos hoje por teatro é originário do verbo grego "theastai" (ver, contemplar, olhar). Tão antiga quanto o homem, a noção de representação está vinculada ao ritual mágico e religioso primitivo. Acredita-se que o teatro nasceu no instante em que o homem primitivo colocou e tirou a máscara diante do espectador, com plena consciência do exercício de "simulação", de "representação", ou seja, do signo.

Tendo em seu alicerce o princípio da interdisciplinaridade, o teatro serve-se tanto da palavra enquanto signo como de outros sistemas semióticos não-verbais. Em sua essência, lida com códigos construídos a partir do gesto e da voz, responsáveis não só pela performance do espetáculo, como também pela linguagem. Gesto e voz tornam o teatro um texto da cultura. Para os semioticistas russos da década de 60, a noção de teatro como texto revela, igualmente, sua condição de sistema modelizante, ou melhor, de sistema semiótico cujos códigos de base - gesto e voz - se reportam a outros códigos como o espaço, o tempo e o movimento. A partir desses códigos se expandem outros sistemas sígnicos tais como o cenário, o movimento cênico do ator, o vestuário, a iluminação e a música entre outros. Graças à organização e combinação dos vários sistemas, legados da experiência individual ou social, da instrução e da cultura literária e artística, é que a audiência recodifica a mensagem desse texto tão antigo da cultura humana.

Contudo, o processo de modelização no teatro não é resultado apenas dos códigos que o constituem como linguagem. É preciso considerar também os códigos culturais organizadores dos gêneros, ou melhor, das formações discursivas que se reportam às esferas de uso da linguagem dentro de contextos sócio-culturais específicos. Quando os códigos do teatro se organizam para definir um gênero, é a própria cultura que manifesta seus traços diferenciais. Isso é o que se pode verificar no teatro popular seja de Shakespeare ou do nosso Ariano Suassuna, cujas autos ilustram muito propriamente o processo da modelização no teatro.


Cenário

O cenário enquanto sistema semiótico determina o espaço e o tempo da ação teatral. Contudo, para se entender o cenário em sua linguagem, é preciso recorrer à gramaticalidade de outras sistemas artísticos, como a pintura, a escultura, a arquitetura, a decoração, o design da iluminação. São esses sistemas que se encarregam de representar um espaço geográfico (uma paisagem, por exemplo), um espaço social (uma praça pública, uma cozinha, um bar) ou um espaço interior (a mente, as paixões, os conflitos, os sonhos, o imaginário humano). No cenário, ou apenas em um dos seus constituintes, se projeta o tempo: a época histórica, estações do ano, horas do dia, os momentos fugazes do imaginário. Existe ainda o caso dos espetáculos em que os recursos cenográficos estão na performance do ator, no ruído, no vestuário ou na iluminação

Gesto

O gesto é um dos organizadores fundamentais da gramática do teatro. É no gesto e também na voz que o ator cria a personagem (persona). Através de um sistema de signos codificados, tornou-se um instrumento de expressão indispensável na arte dramática ao exprimir os pensamentos através do movimento ou atitude da mão, do braço, da perna, da cabeça ou do corpo inteiro. Os signos gestuais podem acompanhar ou substituir a palavra, suprimir um elemento do cenário , um acessório, um sentimento ou emoção. Os teóricos do gesto acreditam ser possível fazer com a mão e o braço cerca de 700.00 signos.

Iluminação

Diferente dos demais sistemas sígnicos teatrais, a iluminação é um procedimento bastante recente. Sua introdução no espetáculo teatral, deu-se apenas no séc XVII, ganhando fôlego com a descoberta da eletricidade. A principal função da iluminação é delimitar o espaço cênico. Quando um facho de luz incide sobre um determinado ponto do palco, significa que é ali que a ação se desenrolará naquele momento. Além de delimitar o lugar da cena, a iluminação se encarrega de estabelecer relações entre o ator e os objetos; o ator e os personagens em geral. A iluminação "modela" através da luz o rosto, o corpo do ator ou um fragmento do cenário. As cores difundidas pela iluminação é um outro recurso que também permite uma leitura semiológica.

Movimento cênico do ator

As várias maneiras do ator se deslocar no espaço cênico, suas entradas e saídas ou sua posição com relação aos outros atores, aos acessórios, aos elementos do cenário ou até mesmo aos espectadores, podem representar os mais variados signos. A movimentação tanto cria a unidade do texto teatral como organiza e relaciona as seqüências no espaço cênico.

Música

A música sempre esteve presente no teatro, desde as suas origens. A música por se sesenvolver no tempo é o elemento dialógico por excelência do texto teatral. Dialoga com os movimentos do ator, explicita seu estado interior, contracena com a luz, com o espaço em todos os seus aspectos. Quando acrescentada a outros sistemas sígnicos de uma peça, o papel da música é o de enfatizar, ampliar, de desenvolver e até de desmentir ou substituir os signos dos outros sistemas. Um outro exemplo da utilização da música no teatro é a escolha que o diretor faz do tema musical que acompanha a entrada e a saída de um determinado personagem, tornando-a assim signo de cada uma delas.

Vestuário

Assim como na vida real, o vestuário no teatro se reporta a vários sistemas sígnicos da cultura. A sua decodificação pode indicar tanto o sexo quanto idade, classe social, profissão, nacionalidade, religião de um. No entanto, o poder semiológico do vestuário não se limita apenas a definir o personagem que o veste. O traje é também o signo que representa clima, época histórica, região, estação do ano, hora do dia. É interessante observar que em certas tradições teatrais, como na commedia della'arte por exemplo, a vestimenta torna-se uma espécie de "máscara" que vai identificar os tipos imutáveis (stock characters), que se repetem de geração a geração. Personagens como o avarento, o bufão, o rei, a megera, a donzela e o servo trapalhão entre outros. O vestuário é também um sistema de signos que se reporta a outros sistemas da cultura, como por exemplo a moda.

Voz

A voz é, antes de mais nada, elemento fundador do texto teatral, escrito ou não. Quando não vocalizado, o texto é gesto. É pela voz que o ator dá vida a seu personagem. Ela atua como uma "fronteira de liberdade" que o ator explora a seu modo, através da entoação, do ritmo, da rapidez e da intensidade com que ele pronuncia as palavras antes apenas escritas, criando desta forma, os mais variados signos. A voz e o gesto formam a performance, a linguagem primária do teatro.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

MÚSICA, MÚSICA, MÚSICA!


Este blog é mais que um diário popular, é a colagem, a anotação, a pesquisa e os raciocínios dos interesses da música teatro fúria e dos insurretos furiosos desgovernados. Assim como a arte, acho que o conteúdo aqui é de interesse público e também ferramenta particular de informação de pura curiosidade de história e claro de influênncia artistica.

Toda publicação aqui feita é de importância, então, tudo tem ciência neste lugar, nada é feito por acaso ou para apenas fazer pelo fato de ter de fazer, pela obrigação de atualizar os consumidores para se satisfazerem, mesmo tendo em mente a vontade de satisfação.

O foco principal deste blog é a música no teatro, a junção detas duas artes para um único fim, o encontro. Sem ser menos importante que a luz, que o texto, que os atores, que a direção, que o público, etc. Mas repito, aqui a prioridade é o da livre composição música e teatro.

São textos que descrevem trabalhos de autores da música no teatro, textos que expressam ideologia política libertária, textos de autores de teatro, textos outros ainda sem definição, enfim, pensamentos variados sobre a evolução histórica/atual/vida por meio da arte, da ciência e tecnologia. Mas acima de tudo, fazer disto, a redescoberta, da leveza soberana do amor e buscar a sincera maneira de dar um chute na bunda do tédio, pois o que eu sei fazer mesmo é ser palhaço!

Será? ;)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Pixinguinha e o Teatro


Por volta de 1926, Pixinguinha foi procurado pelo compositor De Chocolat – pseudônimo usado por João Cândido Ferreira -, que queria continuar uma conversa iniciada em São Paulo. Na Capital paulista ele expusera a Pixinguinha a idéia de montar um espetáculo teatral no qual todos, atores, atrizes e músicos, fossem negros. O caminho já estava sedimentado em virtude da sociedade feita com o português Jaime Silva, o único branco do grupo, já tinha fundado a Companhia Negra de Revistas e alugado o Teatro Rialto.

Faltava montar o elenco, contratar os músicos e o maestro. As composições ficariam a cargo do pistonista e compositor Sebastião Cirino, cuja carreira seria marcada pelo sucesso de sua criação “Cristo Nasceu Na Bahia”, em parceria com o bailarino Duque. E enfrentar o racismo contra a idéia e o projeto.

Ao aceitar o convite, Pixinguinha viabilizou o sonho de De Chocolat e o seu, ou seja, a oportunidade de trabalhar ao lado de Jandira Aimoré, que conhecera em temporada anterior no Teatro Coliseu Santista, na cidade de Santos, onde a conversa com De Chocolat se iniciara.

Além de Jandira, o elenco contava com nomes como Djanira Flora, Alice Gonçalves, Waldemar Palmier, Rosa Negra (sambista que participaria da fundação de escolas de samba em São Paulo) e a irmã da estrelíssima Aracy Cortes, Dalva Espínola, que, seguindo a tradição familiar, era quem cantava o grande sucesso do espetáculo, no caso, “Cristo Nasceu Na Bahia”.

O toque exótico de “Tudo Preto” ficava por conta de uma dançarina conhecida como Miss Monsque, era anunciada como bailarina africana, mas, inexplicavelmente, se apresentava com roupa de índia norte-americana.

A orquestra – na qual, além do pistom de Sebastião Cirino, destacava-se o sambista Donga, no ponteio do seu famoso violão -, regida por um empertigado e encasacado Pixinguinha, foi motivo de excelentes críticas por parte dos jornais, que se surpreenderam com o resultado do espetáculo, pois, num racismo sem disfarces, esperavam algo de baixa qualidade.

Pixinguinha firmava-se como maestro-regente e orquestrador. “Tudo Preto” ficou em cartaz por dois meses, com expressiva presença de público, que animou De Chocolat a reinvestir na sua idéia, e no dia 3 de setembro de 1926, nova estréia movimentava o elenco da Companhia Negra de Revistas, no mesmo Teatro Rialto.

O espetáculo chamava-se “Preto no Branco”, escrito por Waldemiro di Roma e com músicas de um maestro recém-chegado de São Paulo, jovem talentoso e que seria um dos herdeiros de Pixinguinha, na arte da orquestração. Aconteceu ali o primeiro encontro entre Lírio Panicalli – depois um dos mais importantes maestros da MPB, principalmente em sua fase de arranjador na Rádio Nacional – com seu mestre Pixinguinha.

O êxito foi maior ainda, elogios gerais e destaque como sempre para o trabalho musical liderado “pelo maestro Pixinguinha”, conforme o identificava a imprensa da época.

temporada teve final tumultuado por questões trabalhistas, e a Companhia Negra de Revistas só voltou a se reunir para excursionar pelo Brasil, já então com um novo jovem ator no elenco: Grande Otelo.


Em São Paulo Pixinguinha e Jandira casaram-se em cartório do bairro do Brás. Depois de Belo Horizonte, a estrela abandonou o teatro e Pixinguinha seguiu sua carreira gloriosa.