sábado, 30 de janeiro de 2010

MÚSICA E TEATRO


Ilustração, Paulo Stocker

Por JOSÉ FILIPE PEREIRA - Portugal

As questões que aqui se vão colocar, relacionadas com música e teatro, são extraídas directamente da minha experiência do trabalho criativo. São questões difíceis, que tentarei abordar de uma forma o mais possível relacionada com a experiência
directa que, enquanto público, temos da arte.
Penso que no princípio não há diferença entre a música, a dança e a representação, mas antes que são parte duma mesma coisa: Uma forma de arte que responde a uma necessidade concreta dos homens em sociedade. Em muitas culturas, existe uma forma de arte em que não há diferenciação entre música, dança e representação: quando se toca música é para fazer dançar; e quando se dança é para
representar qualquer coisa. Por ex: em determinada sociedade africana, toca-se música e dança-se, para representar uma cena de caça ou uma cena de guerra. Para trazer um bom presságio para uma caçada ou para uma guerra que se vai fazer no futuro, ou para expurgar um mau resultado de uma caçada ou de uma guerra que se teve no passado. Há um efeito catártico da dança, da música e da representação da situação, que pretende curar o mal da sociedade. Os mistérios dionisíacos, origem reconhecida do teatro europeu, eram uma liturgia que se compunha de música, dança e da representação de cenas da vida dos Deuses ou dos heróis míticos.
Por isso música, teatro e dança, têm qualquer coisa de comum e que faz que sejam artes que, mais do que complementares, são convergentes.
Definem-se, por uma característica que têm em comum, como artes de desempenho1, o que quer dizer que são artes em que a concretização, ao nível da comunicação com o público, acontece no mesmo momento e no mesmo local em que se dá a execução. Exemplificando: uma escultura poderá ser feita hoje aqui, e ser vista amanhã a muitos quilómetros de distância. No caso da música ou do teatro, estes são apercebidos pelo público no mesmo momento, no mesmo local em que o executante os pratica. A gravação magnética não substitui o concerto, da mesma forma que uma gravação em vídeo de uma peça de teatro, não é teatro. Porquê? O que é que faz com
que um concerto seja diferente de uma gravação? É um aspecto do qual é extremamente
difícil falar. Utilizando uma expressão que não é minha, chamar-lhe-ei o fenómeno do
“invisível que se torna visível”2 ou o fenómeno da revelação Pode acontecer durante um concerto, ou durante a representação de uma peça de teatro que, para nós enquanto público, se torna visível qualquer coisa que racionalmente sabemos que não está lá. Este fenómeno ultrapassa a esfera da vivência quotidiana e não se situa no domínio do racional, do intelectual. Qualquer definição verbal deste fenómeno, seria limitadora. É uma outra lógica. É uma lógica muito mais próxima da lógica do sonho, por ex: pode acontecer que estamos a ver um concerto e
termos a sensação de estarmos a viver um sonho. É dessa situação que estamos a
tratar. Pode acontecer no teatro ou na música quando seja feita ao vivo . Quando existe
comunicação directa entre o executante e o público.
A este fenómeno na psicologia chama-se associação psicofísica e, é preciso que fique bem claro, não estou a falar de nada de místico, nada de transcendental. É algo muito concreto e não que acontece às pessoas menos sãs, pelo contrário, é a forma mais saudável de apreciar a arte. É a vida na sua plenitude, a vida mais do que nos pode dar o quotidiano. Também não é uma fuga à realidade. É, pelo contrário, um acesso a uma realidade mais plena, uma realidade que a vida quotidiana não comporta. Na experiência do meu trabalho, cheguei à conclusão que este fenómeno de revelação é uma consequência de um nível mais elevado de consciência. Os sentidos, tanto do executante como do público, estão mais apurados, a atenção mais desperta, a comunicação é mais fina. E então dá-se este fenómeno a que chamo o invisível tornado visível. Como é que se processa este fenómeno? Parece-me que antes de mais, o processo se passa no executante. Através da execução, do grau de atenção que lhe é necessário despender, o artista coloca-se a um nível superior de consciência, de maior atenção: mais desperto. O processo comunica-se ao público, atingindo simultaneamente a cabeça, o corpo e o coração provocando então o fenómeno da revelação. Atenção! eu digo: simultaneamente a cabeça, o corpo e o coração, isto é, atinge o indivíduo, aquele que não pode ser dividido. Portanto este processo é inter-indivídual, é de indivíduo para indivíduo. É do executante, enquanto indivíduo, para cada um dos indivíduos da audiência. Não é fenómeno de comunicação de massas, não é o executante que comunica com o público em sentido geral. É uma comunicação que é interindivídual, mesmo quando não é objectivamente dirigida. Existem na arte vários sucedâneos que não podem provocar este fenómeno. São execuções musicais, ou teatrais ou de dança que não atingem simultaneamente a cabeça, o corpo e o coração, portanto não tocam o indivíduo. Se agora aqui contar uma anedota, esta será processada intelectualmente, toca a cabeça, pode despertar um grande processo intelectual, mas fica só na cabeça. Uma música com um ritmo mais agitado vai fazer mexer o corpo, mas não toca o coração, ou não toca a cabeça. Esse momento de vivência da arte não pode acontecer se não forem tocados esses três pontos simultaneamente.
A insuficiência em provocar este fenómeno pode ser de vários tipos. Pode ser objectiva: a peça de música ou de teatro não foi concebida para atingir o individuo, estimulando estes três pontos ao mesmo tempo. Ou pode ser subjectiva: o executante não consegue atingir esse nível de
consciência, seja por deficiência técnica, ou porque não consegue integrar o coração. É
uma experiência que todos nós temos, de ouvir um músico que tecnicamente consegue
executar perfeitamente a sua partitura, igualzinho a qualquer grande virtuoso e que, no
entanto, é frio, há qualquer coisa que falta e costuma-se dizer: “Ah! toca sem o
coração”. O músico, neste exemplo, não dispõe da generosidade de se entregar à
obra, não podendo assim criar as condições, atingir esse nível superior de consciência
que permite transmitir ao público. O defeito pode também ser do espectador: o espectador não se entrega. Suponhamos que o espectador está desconfortável na sua cadeira, mexe-se ou tem
frio. O corpo está tenso, não disponível, não pode ser tocado. Esse fenómeno não pode ser conseguido. Suponhamos que o espectador foi ao teatro ou ao concerto para mostrar o casaco de peles ou para ser visto na companhia dos notáveis da cidade. A cabeça está ocupada com essa preocupação social, não pode ser tocada. Ou por outro lado, o espectador é vítima de uma grande angústia, ou de uma grande excitação, de uma grande ansiedade, o coração não está disponível.
São estes os tipos de entraves que impedem que o fenómeno da vivência artística aconteça.
A meu ver, no teatro ocidental moderno este fenómeno de revelação é muito raro. Isto prende-se menos com a capacidade de entrega do público, e mais com a indefinição dos elementos objectivos com que se trabalha e com a incapacidade de os actores atingirem esse nível de entrega, de consciência. Porquê? pela falta de instrumentos precisos para desenvolver o seu trabalho. Aqui começaria por tentar analisar e comparar o trabalho e o processo do músico e do actor. O trabalho do músico é caracterizado por uma grande estruturação e pela existência
de instrumentos de medição e de correcção da eficácia da sua execução. O instrumentista
deve diariamente praticar as suas escalas para aprender a dominar o seu instrumento e
ao mesmo tempo integrar o mais profundamente possível as regras da harmonia, as leis da composição. O músico dispõe de um sistema de notação que lhe permite escrever partituras com grande exactidão, podendo anotar os diferentes elementos da peça musical, o ritmo, a melodia, o tempo, enfim...3 O músico pode determinar rigorosamente o tempo-ritmo da peça que vai executar, servindo-se do metrónomo. Os músicos praticam regularmente exercícios corporais para instrumentistas: para os dedos, para os músculos da boca, para a respiração... Um aparte para mencionar a Euritmia, uma disciplina que começou por ser destinada a músicos, para corrigir questões de postura, a tensão no ombro do violinista, as costas curvas do pianista...
exercícios corporais para músicos, que integrando exercícios respiratórios, rítmicos, de
movimento, e que foi rapidamente adoptada por actores e bailarinos que reconheceram
o interesse dessa disciplina para os seus trabalhos. Infelizmente é ainda praticamente
desconhecida em Portugal. Na música dispõe-se de leis de composição e da improvisação que definem os acordes, que permitem estabelecer as regras da harmonia. Mesmo quando improvisa,
o músico rege-se por uma estrutura. Não há caos no trabalho do músico. Essa estruturação não é de forma nenhuma opressiva. É como as margens que conduzem o rio. Se não houvesse margens não havia essa evolução que é o rio, haveria um grande pântano com água estagnada. São as margens que, ao definir o rio, o conduzem. É comparável ao rio da vida, ao nosso percurso quando pensamos em termos do processo de desenvolvimento do artista. O trabalho do actor, por outro lado, caracteriza-se justamente pela falta de estruturação e pela falta de instrumentos de medição e de definição da eficácia do processo criativo. Deve-se talvez à descontinuidade que caracteriza a evolução histórica do teatro europeu: foram diferentes tradições locais, diferentes tendências que foram sendo assimiladas, absorvidas para originar isto que é o teatro moderno. Essa fusão de diferentes tendências determina diferentes abordagens ao trabalho do actor. Mas
sobretudo porque, ainda nos nossos dias, não existe por parte dos profissionais do teatro uma consciência da necessidade de determinar estas regras e de estruturar a metodologia do trabalho. Quando se toca neste assunto suscitam-se falsos liberalismos do género “qualquer definição de regras vêm limitar a liberdade de criação” e outras idiotices do género.
Não é de todo assim: as regras existem, independentemente de as conhecermos ou não. O facto de desconhecer a lei da gravidade não fazia com que o homem medieval podesse voar. Conhecer as regras, é um primeiro passo para podermos ultrapassar as limitações. O facto é que, para a esmagadora maioria dos profissionais do teatro, o processo criativo é feito de uma forma intuitiva, sem consciência das regras, sem metodologia, sem definição do processo, apenas por intuição ou cópia daquilo que viram fazer. Isto no que diz respeito ao teatro ocidental moderno. Ao contrário, nas formas dramáticas asiáticas seguem-se regras e estruturas muito precisas que se vão transmitindo de geração em geração. A educação de um futuro artista é uma tarefa
muito cuidadosa e que pode começar desde a mais tenra idade, e a mentalidade que
preside ao trabalho do artista adulto é a de continuar a estudar as regras do seu ofício
por toda a sua carreira, no respeito das estruturas tradicionalmente transmitidas. No caso do teatro europeu moderno, tem havido um número de actores e encenadores, e não será estranho que sejam justamente os maiores expoentes da arte, que tomam consciência da necessidade de estruturar, de definir as regras do desenvolvimento da arte do actor . O facto desta questão não ter ainda tocado a grande maioria dos profissionais fica a dever-se a que a tarefa que há a realizar dentro do teatro, para definir estas regras, é uma tarefa de grande envergadura, que exige uma grande coragem e seriedade. A grande profundidade do estudo a realizar exige, mais do que profissionais, grandes artistas que tenham a ousadia de por em causa tudo aquilo que foi feito até hoje e que disponham de uma grande generosidade. O trabalho em que tenho vindo a desenvolver com alguns companheiros, em Aveiro, no seio do ACTO.Instituto de Arte Dramática, é justamente abordar esta questão do processo criativo do actor, definir quais são as regras do ofício e estruturar uma metodologia para o desenvolvimento do processo criativo. Partimos de um principio: o instrumento do actor é a acção. É difícil definir o que é uma acção. Não é movimento. O movimento pode não ser acção e a acção pode nem sequer ter movimento. Não é uma ocupação, não é uma actividade. Uma acção é sempre mais complexa do que aquilo que podemos ver dela. Uma acção tem sempre por trás uma motivação, uma razão de ser, uma intenção. É a motivação que vai definir tudo na acção: o movimento, o ritmo do movimento, a
intensidade, o volume do som...
Sem a motivação não existe acção.
Suponhamos que estou a varrer uma sala. Se estiver a pensar noutra coisa, não
existe aí uma acção, existe uma actividade. Agora suponhamos que eu chego à minha
sala de trabalho e os meus companheiros estão atrasados e que era a vez de um deles
de varrer a sala. Ele está atrasado e eu estou a varrer a sala e não estou contente,
porque ele está atrasado para a varrer a sala. Então essa motivação vai definir todos os
meus gestos. Provavelmente o ritmo do varrer da sala vai ser mais agitado. Nesta
situação há já uma acção. O indivíduo, aquele que não é divisível, que tem a cabeça, o
corpo, o coração, está presente quando há uma acção. O que antes era só uma tarefa,
estava a varrer mas a minha cabeça estava na distante, estava dividido. No momento
da acção é tudo junto, a cabeça, o corpo, o coração, tudo a varrer a sala, tenho uma
motivação . Uma acção tem sempre uma consequência, uma reacção. A reacção pode não
ser aquela que nos motiva. Suponhamos que eu estou a cantar para adormecer um
bebé: é uma acção. Eu tenho uma motivação quero-o adormecer. Mas, ao invés de o
adormecer, pelo contrario ele está cada vez mais desperto. Ele tem uma reacção. É a
reacção contrária aquela que eu pretendo, mas é uma reacção. Uma acção tem
sempre uma reacção. Por isso o nosso trabalho no sentido de estruturar as regras do trabalho do actor é antes de mais definir ou procurar por todas as formas encontrar a possibilidade de
definir uma partitura das acções psico-físicas, que contenha a motivação, a direcção, o
ritmo, etc. No trabalho do teatro, muitas vezes fala-se de papel. “Qual é o teu papel?”... O
papel não é uma partitura. O papel é justamente ... um papel. Que tem frases escritas,
que tem um texto, mas é só isso... Se o actor pegar numa peça literária de teatro e for
para cima de um palco recíta-la, está só a debitar texto, não está a fazer teatro.
A partitura também não é uma coreografia. Uma grafia, um gráfico, é um desenho.
È um desenho de movimentos no espaço. Esta partitura de que estamos à procura é muito mais complexa. É uma tarefa muito difícil e que apenas iniciámos.
Uma forma usual de criação de uma partitura de motivações é o que na técnica
do actor se chama a utilização de um sub-texto; um texto criado em função das
motivações interiores do actor / personagem que, mesmo que contrarie o que está dito no texto explícito, serve para guiar o actor na construção de uma linha lógica de
acções. É já um passo, mas insuficiente. Ligada à procura deste tipo de partitura, está a questão das definição das leis do movimento orgânico. De como nos movemos no espaço, atendendo a que existe uma força de gravidade que nos mantêm no chão, a todas as leis que regem o ritmo e a
relação do nosso corpo com o espaço. Toda esta pesquisa é de teor prático e experimental e a reflexão teórica, entendida como lógica cartesiana, não é de grande ajuda. Somos levados a pensar que muito possivelmente o tipo de partitura que viremos a encontrar para o actor será uma partitura da qual a transmissão não poderá ser feita por escrito, como a partitura
musical . Será talvez uma partitura em que a transmissão será feita de uma forma directa,
oral, como nas tradições antigas se transmitiam a arte do contador de histórias ou o
canto e mesmo a música, por aprendizagem directa. É preciso que acrescente que nós não somos nem pioneiros, nem somos os únicos a desenvolver este tipo de investigação. Herdámos de alguns grandes mestres conhecimentos que nos são muitos úteis. Podemos até agora definir algumas disciplinas de pesquisa, que ao mesmo tempo são disciplinas de aprendizagem, que permitem descobrir as regras objectivas do ofício do actor. Praticamos treinos corporais, disciplinas de acção vocal, de marchas rítmicas, de actuação, e que são bases de trabalho que funcionam para nós como as escalas para um músico. Praticamos essas disciplinas todos os dias com o intuito de aprender a dominar o nosso instrumento, a acção, e de começarmos a isolar e a determinar quais são as regras de harmonia no teatro. Por outro lado, a nossa investigação tem que ser orientada também no sentido de encontrar elementos objectivos, dentro das artes dramáticas que permitam tocar o indivíduo, que permitam estimular a cabeça, o corpo, e o coração. Tal como um grande virtuoso não poderá criar uma grande vivência musical ao tocar uma musiqueta ordinária porque a estrutura da música é fraca.Nesse sentido, a antropologia teatral: o estudo de outras formas dramáticas, não europeias, não da nossa tradição, permite-nos de uma forma comparativa isolar elementos que são válidos universalmente.
Suponhamos um músico autodidacta, ou proveniente de uma tradição, que não conhece a notação europeia, não conhece as leis da música, não as sabe enunciar. No entanto, conhece-as de uma forma intuitiva, respeita as regras sem saber que o são; porque tem um grande dom, ou porque lhe ensinaram assim, de uma forma intuitiva respeita as regras. Não terá talvez consciência de que são regras, mas respeita-as. Se fossemos tentar ensinar-lhe música segundo a metodologia normalmente seguida nas escolas de música, corríamos o risco de ir afogar a criatividade. Ali onde havia um génio, confrontado com a necessidade de estruturar o seu conhecimento intuitivo,
poderiamos destruir tudo. Por isso a nossa procura não é de um método para o actor,
não é de uma receita. Estamos à procura de uma metodologia, uma linha de padrões
de que cada indivíduo se poderá apropriar, personalizando-a e ajustando-a à sua
própria criatividade. A definição das leis do ofício do actor será sem dúvida um passo muito importante para que o fenómeno de revelação, da vivência artística intensa, possa ser mais fiável. Para que o teatro possa começar a contribuir para que ultrapassemos os limites que
nos são impostos pela vida quotidiana. No entanto, o papel principal, no do teatro como
em qualquer forma de arte caberá sempre ao talento e à vocação individual que, pela
generosidade do artista, impulsiona esse processo de auto-revelação e estimula o
processo naqueles que o ouvem ou vêem.

NOTAS
1 Performing arts
2 “the Invisible-Made Visible” Peter Brook in The Empty Space, Penguin Books, 1972
3 Um parêntesis para chamar a atenção para que este sistema de notação começa hoje
em dia a ser considerado insuficiente. Andre Gide ao viajar em África no primeiro quartel
deste século deu conta de que a notação musical europeia era insuficiente para anotar os
cantos africanos. Tentou anotar vários cantos, elaborando partituras rigorosas do que
ouvia, mas quando tentava decifrar a partitura cantando-a, o resultado era diferente do
canto original. Isso prendia-se com a incapacidade de a notação em música registar a
vibração da nota, principal característica do canto africano.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Parceria Música e Teatro: Grupo Galpão e Grupo de Choro do CEFAR


Portal EmDiv, de Minas Gerais.

A temática central é a discussão sobre o lixo. Segundo Eduardo Moreira, "num mundo cada vez mais afundado no consumismo e no desperdício, o problema do lixo e do consumo salta aos nossos olhos". Assim, várias questões foram levantadas na produção do espetáculo, que trata da reciclagem e do reaproveitamento do lixo, da profusão dos descartáveis, do lixo tecnológico, do meio ambiente e do aquecimento global, mas sempre de maneira lúdica. O objetivo não é ensinar apenas, mas divertir.

"Queríamos algo que fosse vivo e atual e que conferisse sinceridade a esses estranhos personagens perdidos na 'esquina dos aflitos' ", completa o diretor.

O Galpão Cine Horto, Centro Cultural do Grupo Galpão, foi fundado em 1998 e é voltado para o desenvolvimento de pesquisas e criação em artes cênicas. A proposta é ser um espaço aberto à comunidade, que facilite o compartilhamento de idéias e a aproximação com o teatro.

O repertório é basicamente composto pelo gênero "choro". Odeon, Brejeiro, Tico-Tico no Fubá e Na Glória são músicas certas no show, mas interpretadas de forma diferente das originais. Em Brejeiro, de Ernesto Nazareth, há traços de bossa nova e existe um momento de valsa em Na Glória, de Ary Santos e Raul de Barros. "Todos os arranjos são feitos por nós na hora do ensaio, e tentamos fugir do convencional e introduzir novos elementos", conta Marilene Trotta, coordenadora e percussionista do conjunto.

A experimentação com a música é marca do grupo de choro CEFAR, que trabalha com instrumentos pouco convencionais, como o glockenspiel, típico de orquestras, o vibrafone, tradicional do jazz, o xilofone e a marimba de vidro. "Nós usamos esse tipo de instrumento para fazer um som diferenciado, e o público costuma gostar muito, fica curioso", explica Marilene Trotta.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

NOVOS PESQUISADORES - Daniel Pitanga e o Teatro do Concreto


Trilha sonora e processos musicais na peça Diário do Maldito

A música como elemento componente do fazer teatral tem importantes funções na condução e significação de um espetáculo. Desta maneira, o trabalho com a música foi, e ainda é, uma grande frente de trabalho na composição e no desenvolvimento da peça Diário do Maldito. A vida e a obra do dramaturgo Plínio Marcos foram estudadas de várias maneiras, assim como o universo musical e as paisagens sonoras que acompanham o “personagem” Plínio foram fontes de criação cênica. As músicas que fazem parte do imaginário dos vários mundos ou das diferentes fases que ele percorreu em vida não são simplesmente encaixadas em cena, mas desdobradas, adaptadas e recriadas, compondo e corporificando os personagens que não são especificamente criados por ele, mas que certamente habitam e dialogam com as suas obras. O resultado da criação musical da peça apresenta uma forma de utilização da música bastante diversificada, ora narrando, ora pontuando ou simplesmente acompanhando. A trilha foi trabalhada durante todo o processo criativo e ao final foi lapidada com a entrada dos músicos/criadores. A cada nova apresentação surgem novas idéias e formas diferentes de executar a trilha. Do mesmo jeito que ocorre numa roda de samba, músicos e atores dialogam e improvisam durante o espetáculo, trazendo organicidade para a obra e novas condutas para a sala de ensaio.

Revista EntrelinhaseConcreto

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

CAIO VAI GRAVAR SEU PRIMEIRO RESULTADO DE MAIS DE 10 ANOS DE COMPOSIÇÃO.


E vai ser em 2010, assim como sempre fez em suas composições solo ou com vários compositores ou não compositores, vai fazer os bons participarem com ele. Espera-se um grande disco, resultado de mais de 10 anos dedicados a música anarco popular brasileira.


olha o que alguns amigos falam da sua música:


"Caio mattoso, Caio dotta, Caio todo dia, seu ceticiclismo só engana a você. nós simplesmente te amamos e sonhamos, mestre"
Vanguart

"grandioso compositor mais foda e completo da cena musical brasileira"
Eduardo Ferreira


" Intimista, de numa primeira aparencia despretensiosa, a musica de Caio Matoso é dotada de uma lirica sofisticada onde expõe a alma em seu encontro com a poesia moderna e contemporânea".
Luiz Borges

"Poeta da rua, teatro da fúria, nascido de lua Caio é voz pura"
Leandro Caires

"Amo suas músicas"
Bruna Menesello



"Caio Mattoso veste o último paletó ultra mega power da criatividade. Um paletó monstruoso que escolhe o seu dono, esse paletó tem o Caio. Equipado de muitos bolsos, botões e feito de tecidos diferentes, ele dá ao seu dono a capacidade de guardar no bolso direito baixo um carisma absurdo de que não se tem noticias há muito tempo. No bolso esquerdo baixo, um improviso tão resistente que é embalado em papel de enrolar prego. No bolso direito alto, ele colocou em uma latinha de chá chinês um swing lambchopiano fino. No bolso esquerdo alto, ele guarda uma caixopa de abelhas em formato de coração, cheia de letras doces, melódicas, inspiradoras e surpreendentes, misturadas com o puro mel do cerrado silvestre. Esse paletó protege Caio, e Caio seu paletó. No frio ainda dá pra colocar o capuz multicolorido que encobre consciências, divergências, preconceitos e deixa tudo mais mole e fácil de cortar com o fino, o mais fino som da alma de um verdadeiro e ainda encoberto artista, que o que seu pensamento alcança ele beija".

Giovanni Araújo




viva! vida longa a esse cabra da peste e aos seus parceiros!


esse disco promete!

fúria!


Notícia de Vinil



copiado e colado do blog mtv

Se você esperava ansiosamente por esta notícia, pode se animar. A Polysom, única fábrica de vinil da América latina, voltou a funcionar.

Desativada desde outubro de 2007, a Polysom foi comprada no começo de 2009 pelos proprietários da Deckdisc – os produtores Rafa Ramos (foto) e seu pai João Augusto. Desde então eles promoveram uma verdadeira empreitada em prol dos bolachões e, diga-se de passagem, da cultura nacional. A fábrica fica localizada no prédio de Areia Branca, bairro do município de Belford Roxo, no Rio de Janeiro.

Eles administraram uma reforma geral no lugar: compraram máquinas, contrataram profissionais, fizeram pesquisas na Europa. Ou seja, fizeram de tudo para reabrir a fábrica de uma maneira completamente digna, com qualidade equivalente aos fabricantes gringos.

Bem, finalmente a fábrica será reinaugurada, nova em folha. E, saiba, já está recebendo pedidos de todos os tipos e tamanhos. O Viva o Vinil! conversou com um dos donos, Rafa Ramos, para saber mais detalhes. Leia e comemore!

Viva o Vinil! – Quais serão os primeiros vinis lançados pela Polysom?
Rafa Ramos – Fizemos quatro títulos da Deck Disc: Cachorro Grande (Cinema), Pitty (Chiaroscuro), Nação Zumbi (Fome de Tudo) e Fernanda Takai (Onde Brilhem Os Olhos Seus). Eles serão lançados no início de fevereiro.

O que eles trazem de diferente do CD?
São edições chiquérrimas! Até porque a gente sabe que quem gosta de vinil gosta de qualidade, de um encarte bonito e tal. O encarte do vinil da Cachorro Grande é maravilhoso! É um livro.

E quais são as primeiras encomendas?
Desde dezembro de 2009 tenho recebido vários pedidos. Por exemplo, muitos títulos de várias gravadoras grandes, como EMI, Universal e Sony. Os independentes também, como é o caso do Tor (cantor da banda punk Zumbis do Espaço e que tem um trabalho solo de country). E tem muita gente fazendo orçamento.

Tem alguma encomenda de fora do Brasil?
Sim, por enquanto, da Argentina e Chile. DJs e bandas.

A Polysom tem mais algum projeto em vista?
A Deck Disc/Polysom está encubando um selo, ainda sem nome, que irá lançar compactos de bandas novas. Quero lançar single em compacto e para download. O primeiro lançamento será um split (quando duas ou mais bandas dividem um disco) com músicas inéditas do Mukeka di Rato e Dead Fish. Tudo indica que teremos isso em março ou maio desse ano.

Orçamentos e encomendas: comercial@polysom.com.br

Twitter da Polysom: @polysom
por Daniel Vaughan


Tags: deckdisc, polysom, rafa ramos

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Mestre Eduardo Ferreira é igual a André Balbino?


Depois de um show marcante no Cine Teatro Cuiabá o grupo Os Viralata volta ao palco. Mas ninguém garante que será da mesma forma, jeito ou pegada que surpreendeu os que compareceram ao lendário teatro na Capital. Afinal dos irmãos Eduardo Ferreira e André Balbino pode se esperar quase tudo. Fama de malucos, jeito de quem não tá nem aí pro mundo, eles mostram que a aparência ilude, afinal o próximo show da banda vem com marcas e propostas bem definidas e inspiração libertárias e políticas. E pelo menos a promessa é de uma apresentação para fisgar os amantes do bom, velho e gostoso rock”nroll.


http://osviralatadaviola.wordpress.com/tag/eduardo-ferreira/


Não sei, mas que o Balbino é mestre também, isso eu não tenho dúvida.

publicidade e anarquia
patrocínio: bigode filmes(comunidade livre-se de deus).

Memória Anarquista do Centro Galego do Rio de Janeiro – Milton Lopes



MEMÓRIA ANARQUISTA DO CENTRO GALEGO DO RIO DE JANEIRO
(1903-1922)

Mílton Lopes (Federação Anarquista do Rio de Janeiro)

A rua da Constituição localiza-se no centro histórico do Rio de Janeiro, efetuando uma das ligações entre a Praça Tiradentes e o Campo de Santana (ou Praça da República, como foi rebatizado). Antiga rua dos Ciganos, onde por ordem do governo se concentravam as pessoas daquela origem na cidade durante o período colonial, ganhou seu nome atual já nos últimos tempos do domínio português/início do Primeiro Reinado. Alguns locais deste logradouro estão associados à memória anarquista da cidade do Rio de Janeiro. No número 14 funcionou a livraria de Lírio de Rezende, poeta anarquista (ver sua coletânea de poemas Mundo Agonizante publicada em 1920), a primeira especializada em literatura anarquista; no número 47 (esquina com Avenida Gomes Freire), por sua vez, no prédio de três andares que abrigava o Centro Internacional dos Pintores, em meados de 1904 os anarquistas iniciaram sua experiência da Universidade Popular de Ensino Livre. E foi ali, já nos primeiros anos do século XX, que funcionavam nos números 30 e 32, as instalações do Centro Galego. Não me foi possível determinar o ano em que este iniciou suas atividades, mas o fato é que o primeiro registro que consegui encontrar de eventos anarquistas em suas dependências foi a estréia, a 12 de outubro de 1903 do Grupo Dramático de Teatro Livre. Fundado naquele mesmo ano na Associação Auxiliadora dos Artistas Sapateiros, localizada à rua dos Andradas, 87, também no centro do Rio, aquele grupo de teatro libertário apresentou naquela ocasião as peças 1o de Maio (de Pietro Gori), O Mestre e A Escola Social. Seu primeiro ensaiador e organizador foi o gráfico anarquista espanhol Mariano Ferrer e o grupo inicialmente era formado por Antonio Monteiro, João Portas, Manuel Nogueira, Luís Magrassi (anarquista italiano que depois se mudou com sua mulher Matilde para Buenos Aires), José Sarmento, Antonio Domingues, José Garlemo, Carmen Ferrer, Dolores Ribas, Francisca Morais, Ernesto e Armando Portas e a menina Pillar Tata. A orquestra que acompanhou a representação era predominantemente feminina, sendo o elemento masculino representado por Francisco Leal, Luiz Silva, Silvestre Machado e Gabriel de Almeida.

Dando um salto de três anos vamos encontrar registros da atividade mais importante do movimento social e anarquista que o Centro deve ter abrigado, que foi a realização, de 15 a 20 de abril de 1906 do I Congresso Operário Brasileiro, momento histórico para o proletariado brasileiro então em formação, que contou com a participação de representantes de federações e associações proletárias de São Paulo, Ceará, Rio Grande do Sul, Bahia, Alagoas, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ali foram debatidas teses sobre orientação, organização e ação operária. Nas resoluções ali tomadas prevaleceu a orientação sindicalista revolucionária, o anti-militarismo, a necessidade de ação direta e abstenção de táticas eleitorais e o ensino leigo, portanto teses anarquistas. Além disso, foi aprovado em votação a criação imediata da Confederação Operária Brasileira de acordo com o modelo da CGT francesa, fundando-se o seu órgão, o jornal A Voz do Trabalhador (1a edição a 1o de fevereiro de 1908). Um detalhe interessante é que da comissão organizadora do I Congresso faziam parte dois dos integrantes do Grupo Dramático de Teatro Livre que estreara naquele mesmo Centro Galego quase três anos antes, quais sejam Luiz Magrassi e Antonio Domingues. O Congresso foi alvo de comentários de alguns dos mais importantes jornais da então capital do Brasil , como o Correio da Manhã, Gazeta de Notícias e Jornal do Brasil. As matérias publicadas foram unânimes em afirmar que os elementos mais ponderados durante os debates eram os anarquistas, ali representados em grande número. No dia 22 de abril o I Congresso Operário Brasileiro se encerrava no Teatro Lucinda ao som da Internacional. Edgar Rodrigues publica à página 113 do seu livro Socialismo e Sindicalismo no Brasil (Editora Lammert, Rio de Janeiro, 1969) foto dos congressistas no salão do Centro Galego.

Ainda dentre as resoluções tomadas pelo I COB estava a decisão de deflagrar greve geral no dia 1o de maio de 1907 visando à conquista da jornada de oito horas de trabalho. De fato naquela data ela teve início em São Paulo, estendendo-se logoa outros estados. No Rio de Janeiro o Centro Galego foi literalmente palco de manifestação de caráter anarquista com a encenação da peça Antonio (Drama Social em cinco atos) de autoria de Guedes Coutinho durante festival libertário que contou ainda com palestra de José Romero e baile. José Romero Ortega, o conferencista, era um operário anarquista espanhol que viera criança com os pais para o Brasil na última década do século XIX. No Brasil perdeu seu pai e seus irmão durante uma epidemia, tendo que deixar a escola e passar a ganhar a vida como operário têxtil. Freqüentando comícios, e lendo a imprensa libertária torna-se anarquista em sua juventude. Participou da fundação do Grupo Dramático de Teatro Livre em 1903 e em 11 de novembro de 1905 estava no grupo de anarquistas que fundaram o jornal Novos Rumos durante reunião em homenagem aos mártires de Chicago na Federação das Associações de Classe na rua Senhor do Passo, 82, sobrado. No ano seguinte se tornaria o responsável pelo principal jornal anarquista brasileiro de então A Terra Livre, quando este mudasse sua redação de São Paulo para o Rio. Sem nenhuma dúvida pode-se considerar que Romero foi uma figura histórica importante do movimento anarquista no Rio, mantendo-se fiel às idéias ácratas até seu falecimento (na década de 1970 ?). A formação do Grupo Dramático de Teatro Social na representação de 1o de maio de 1907 compreendia Davina Freixeiro, Ulisses Martins, Couto Nogueira, Silva Monteiro, Torres, Teixeira, Alacid, F. Pereira, Domingues, Alvaro e as crianças Armando a Tatta, que haviam participado da representação de 1903. Ulisses Martins era espanhol e tipógrafo e havia se tornado anarquista em S. Paulo, tendo participado com outro anarquista espanhol, Manuel Moscoso, da redação do jornal ácrata Liberdade já no Rio. Começaria a se destacar no movimento anarquista no triênio 1906- 1909 a partir dos protestos no Rio contra a execução de Ferrer em Montjuich. Mais tarde tornou-se ator profissional.

Ainda em 1907 a programação no Centro Galego demonstra afinidade dos anarquistas do Rio com os da Espanha ao se realizar naquele local festa para angariar fundos a serem enviados não só para o jornal Terra Livre (dirigido em S. Paulo pelo anarquista português Neno Vasco) mas também para o Tierra y Liberdad de Madri, o que aconteceu de 14 a 23 de julho daquele ano. Mais uma vez o Grupo Dramático de Teatro Social se fez presente representando a peça As Vítimas de Frederico Doutet, tradução do anarquista português Carlos Nobre. A parte teatral da programação constou ainda de Hambre ( bozzetto social em um ato de Romulo Ovivi) e O Pecado de Simonia de Neno Vasco. Carlos Dias, anarquista brasileiro, se encarregou da conferência inaugural e a noite terminou com um baile. No dia 14, de acordo com o balancete publicado, 185 pessoas pagaram entrada totalizando 370 mil réis de ingressos, o que significou, deduzidos os gastos, a soma d e 199$600, dos quais 98$800 remetidos à Tierra y Liberdad e o restante à Terra Livre. Faltavam ainda cobrar 8 entradas, cujo produto seria dividido igualmente entre os dois jornais. Ainda durante 1907 o Grupo Dramático de Teatro Social voltaria ao palco do teatro do Centro Galego a 29 de setembro e ao final de outubro. Nesta segunda oportunidade a programação constou além da peça Primeiro de Maio de Gori ,de baile e da encenação da peça social em três atos A Ponte, esta última representada pelo “corpo cênico do Centro Galego”. Em novembro ali se realizou um concerto em benefício do “estimado camarada Silvestre Machado, aluno do Instituto de Música, que está doente”, Além do concerto vocal e instrumental e de “baile familiar” foi encenada a peça A Ceia dos Pobres do anarquista e advogado português Campos Lima, anunciada como uma “réplica à Ceia dos Cardeais” de Júlio Dantas. Os ingressos custavam 2 mil réis. (A Terra Li vre 26/10/1907). Campos Lima continuou na pauta do Grupo Dramático de Teatro Social. Em 25 de janeiro de 1908 A Terra Livre anunciava que “em fins de fevereiro, no Centro Galego, o Grupo Dramático Teatro Social realizará, em benefício duma obra de educação e de solidariedade de iniciativa do camarada Campos Lima um espetáculo com o programa seguinte: A Ceia dos Pobres, peça de Campos Lima; A Escola, peça de E. Norés; Greve de Inquilinos, farsa de Neno Vasco. A festa será precedida por uma conferência de Salvador Alacid sobre “o ensino livre”. Oportunamente, daremos mais larga notícia”. Parece que a festa efetivamente ocorreu, mas com alguma mudança em sua programação, segundo a mesma Terra Livre em 26 de fevereiro e 14 de março daquele ano tendo, no entanto, sido mantida a apresentação da peça de Campos Lima.

Dando outro salto no tempo, verificamos que em 3 de fevereiro de 1912 realizou-se no salão do Centro Galego (ainda à rua da Constituição, 30-32) festa libertária que consistiu de conferência pelo Dr. Coelho Lisboa, da representação da peça em um ato Para isso Paga em tradução de J. Botelho e do drama, também em um ato, Os Primeiros Tiros de Amédee Rouquée, este último em tradução de C. A Lacerda, além do inevitável baile ao final.

Quase um ano antes, em 21 de fevereiro de 1911 havia ocorrido a fundação da Liga Anticlerical do Rio de Janeiro, cujos estatutos, publicados em 1912, propunham como um de seus fins principais “combater o clero como um elemento historicamente funesto à sociedade, sob o tríplice ponto de vista político-econômico-moral” (artigo 1o, ss 9o). Sediada na rua General Câmara 335, ao final do ano filiava-se aquela organização à Federação Internacional do Livre Pensamento, cujo secretário-geral, Eugenne Mins, através de carta expedida de Bruxelas e publicada pelo jornal A Época de 1o de janeiro de 1913, aceitava sua inscrição. No 1o de maio de 1912 a Liga promoveu evento no salão do Centro Galego (agora funcionando na rua da Constituição, 38) às 14 horas, que constou de conferências de Coimbra Flamengo e de Ulisses Martins ( esta última de tema anticlerical) e representação dos textos O Primeiro de Maio de Gori, Avatar (peça em um ato de Marcelo Gama) e o Pecado de Simonia de Neno Vasco, encerrando-se com o “baile familiar”.

Uma das principais funções das festas e festivais libertários era a de angariar fundos para dar suporte a iniciativas do movimento operário e/ou anarquista. Desta forma 1913 já se iniciou com festa promovida no salão do Centro pela Confederação Operária Brasileira – COB em benefício de seu jornal, A Voz do Trabalhador com conferência e poesias. Representaram-se as peças Anedota (em um ato) e Pecado de Simonia de Neno Vasco. Os anticlericais constituíram seu próprio grupo teatral, o Grupo Dramático Anticlerical, com sede à Avenida Marechal Floriano, 112 – 2o andar “para dedicar-se às representações teatrais e à propaganda dos ideais de emancipação humana”. Este grupo organizou velada no Centro Galego cuja renda reverteria para a publicação de folhetos de propaganda com baile e leilões em 22 de fevereiro de 1913.. No dia 30 de abril o Grupo Dramático Anticlerical organizou nova festa no teatro do Centro. Na ocasião representaram- se as peças Amanhã, O Primeiro de Maio e O Operariado. A conferência ficou a cargo de um jovem e muito culto professor, um inconformista filho de senador, que no ano anterior havia se descoberto anarquista e publicado seu primeiro texto no jornal anticlerical A Lanterna de São Paulo, seu nome era José Oiticica.

Se o Centro Galego abrigou os trabalhos do I Congresso Operário Brasileiro em 1906, seu espaço também contribuiu para a realização do II COB, que teve lugar no Centro Cosmopolita (sindicato dos empregados em hotéis, cafés, restaurantes e similares) na rua do Senado, 215 de 8 a 13 de setembro de 1913. Desta forma, a 2 de agosto daquele ano o Grupo Dramático Anticlerical volta à cena no Centro Galego com O Pecado de Simonia em uma apresentação pró segundo Congresso Operário Brasileiro. O espetáculo contou ainda com música (uma canção interpretada pelo companheiro Demetrio Minama), poesia (uma das quais declamada pela menina Carolina Boni) e baile. A palestra ficou novamente a cargo de José Oiticica, sinal de que o público deve ter apreciado sua conferência de 30 de abril.

Oiticica parece haver formado uma boa parceria com o Grupo Dramático Anticlerical, uma vez que por uma terceira vez estiveram juntos em uma festa de propaganda no Centro Galego em 1913. Isto ocorreu a 8 de novembro quando foram representadas as peças Amor Louco (drama social em três atos) de Antonio Augusto da Silva e A Escala, fantasia em um ato de Eduardo Norés. Nesta ocasião também houve quermesse e baile. A última atividade anarquista no Centro Galego (ainda na rua da Constituição, 38) em 1913 parece haver sido festa de propaganda a 20 de dezembro ainda como Grupo Dramático Anticlerical, quando foi representada Os Ladrões da Honra de Henrique Peixoto, seguindo-se leilão e “baile familiar”.

Janeiro de 1914 marca a mudança das instalações do teatro do Centro Galego para um endereço próximo ao antigo : a rua Visconde do Rio Branco, 53 (uma rua paralela à rua da Constituição, também entre o Campo de Santana e a Praça Tiradentes). Já a 4 daquele mês ocorre neste novo espaço a partir das 20h. 30 velada em benefício da Confederação Operária Brasileira, marcando a estréia de um novo grupo, o Dramático de Cultura Social. Seus amadores eram Zenon de Almeida, Lírio de Rezende (o poeta e livreiro anarquista, cuja livraria, como já foi dito, funcionava nas imediações do Centro Galego, na rua da Constituição número 14), Plutarco Freitas, Demétrio Mariano, Antonio Castro, Artur Más, Heitor Duarte, Pascoal Gravina, Leal Júnior, Maria Monteiro e Santos Barbosa. Esta estréia vinha sendo anunciada desde novembro de 1913 e vinha sendo sucessivamente adiada. Ali teriam sido representadas as peças A Pátria, Famintos (de Santos Barbosa e Zenon de Almeid a) e Pacatos. A conferência foi pronunciada pelo engenheiro Orlando Corrêa Lopes, à época um dos expoentes do anarquismo no Rio de Janeiro. Diretor da escola profissional Visconde de Mauá em Marechal Hermes, Orlando estava à frente de um jornal comercial que era A Época em que também veiculava ideologia anarquista, embora de maneira mais velada, e neste ano de 1914 iria participar com José Oiticica e do então estudante de medicina Francico Viotti, entre outros, da fundação da revista anarquista A Vida que circulou de 30 de novembro de 1914 até o ano seguinte.

Fevereiro marca a volta do Grupo Dramático Anticlerical ao salão do Centro Galego. Em festa de propaganda iniciada às 21 horas do dia 14 de fevereiro, o grupo apresenta uma montagem de Deus e a Natureza, drama em quatro atos de Artur Rocha. Reativando a parceria do ano anterior, ali está José Oiticica novamente para falar sobre A Grande Luta. Alternando-se com ele volta à cena por duas vezes em março o Grupo Dramático de Teatro Social. A primeira delas a 3 de março, quando é realizado um festival em benefício do Centro de Estudos Sociais e da primeira excursão da Confederação Operária Brasileira pelos estados. Nesta ocasião é representada a peça O Fuzilamento de Ferrer. O Centro de Estudos Sociais, fundado neste mesmo ano no Rio de Janeiro, era local de freqüentes palestras e conferências. Anarquistas como José Oiticica, Fábio Luz (então ainda inspetor escolar no Distrito Federal), José Elias da Silva e Manuel Campos (estivador ana rquista espanhol que militava em Santos e que foi deportado a 11 de novembro de 1914). As reuniões das noites de sexta-feira muitas vezes eram dedicadas a polemicas entre anarquistas e socialistas. Em 21 de março o GDCS ali comemorou o sexto aniversário do Sindicato dos Sapateiros com conferência de Zenon de Almeida, canção e baile. As peças foram, novamente, O Fuzilamento de Ferrer e A Viúva dos Mil Réis e em 11 de julho realizou-se, segundo A Lanterna “grandioso espetáculo operário” na rua Visconde do Rio Branco. Desta vez o GDTS representou em benefício da Voz do Trabalhador Triste Carnaval, traduzida do italiano por Zenon de Almeida e um texto de autoria daquele anarquista gaúcho intitulado Amores em Cristo. O palestrante foi novamente Orlando Corrêa Lopes.

Em 13 de abril de 1914 houve festa no Centro Galego organizada pela Associação dos E. Barbeiros e Cabeleireiros (sic), com conferência de Juana Buela e as peças Leandro Pescador (drama) e O Primeiro Beijo. Ao Grupo Dramático Anticlerical por sua vez coube prestar as honras ao 1o de maio com os dramas sociais O Operariado de Henrique Macedo Júnior e Os Primeiros Tiros de Amedée Rouqués. José Oiticica falou sobre Os Ídolos.
A 6 de fevereiro de 1915 a beneficiária do espetáculo do Grupo Dramático Anticlerical foi a própria Liga Anticlerical do Rio de Janeiro, para a qual reverteu a renda conseguida com a representação de O Exemplo (drama social em 3 atos de César Mendes – pseudônimo de mota Assunção) e O Pecado de Simonia de Neno Vasco.

O que conseguimos apurar de positivo como atividade de caráter anarquista cronologicamente seguinte no Centro Galego do Rio foi uma “grande festa de propaganda” ocorrida à 8 de novembro de 1918. Agora, o teatro do Centro voltara para a rua da Constituição, 38. O Grupo Dramático Anticlerical atuou em Amor Louco drama social em três atos de Antonio Augusto da Silva e A Escola, peça em 1 ato. Além de “leilão de prendas e baile familiar” houve a conferência de José Oiticica sobre A Moral da Igreja Romana. Oiticica, aliás, seria um dos beneficiados com a próxima atividade libertária desenvolvida no Centro Galego e que foi um festival de solidariedade pró-presos sociais, ou seja, os detidos em conseqüência do movimento de novembro de 1918 no Rio de Janeiro. Iniciando com uma exposição de motivos “por um camarada”, o programa continuava com ato variado composto de poesias e canções da atualidade. A parte teatral propriamente dita ficou a cargo do dr ama Náufragos, do episódio dramático antimilitarista Pela Pátria e da sátira Magna Assembléia. Um grupo de meninas cantou o Hino da Liberdade com a música do Hino Nacional. Neste espetáculo destacaram-se as meninas Nair e América Matera, filhas do destacado militante anarquista italiano Pedro Matera.

Ao final de 1920, a 20 de novembro, parece ter atuado pela primeira vez no teatro do Centro Galego um novo grupo de teatro libertário, o Grupo Dramático 1o de Maio. Naquela noite o festival (de novo na rua Visconde do Rio Branco, 53-sobrado) foi aberto por um coro de meninos cantando a Internacional, após o que .falou José Oiticica (que havia voltado de desterro em Alagoas ainda no ano anterior). A Internacional voltou a ser executada, entre outros hinos, desta vez pela Orquestra Social 4 de abril. Seguiu-se “interessante ato de Cabaret em que tomaram parte D. Luchi, baixo lírico, os irmãos Boni, Constantino Cruz e muitos outros. Depois da comédia de Neno Vasco O Pecado da Simonia voltou-se à parte musical que executou a peça Marselhesa do Fogo. Música ainda para a festa foi fornecida pela Banda Musical da Penha”.

Este festival foi para o Sindicato dos Trabalhadores Gráficos. Outra associação de classe, a Aliança dos Empregados no Comércio e Indústria havia promovido um outro evento a 23 de outubro com uma programação um pouco mais extensa. A própria Orquestra 4 de Abril que, como vimos, atuava nestes espetáculos foi objeto de um festival em seu benefício realizado a 30 de outubro e promovido pelo Grupo Germinal. A Orquestra 4 de Abril assim como os grupos dramáticos 1o de Maio e Germinal se apresentaram no último evento anarquista do Centro Galego em 1920 de que foi beneficiário Edgard Leuenroth que se encontrava doente. A renda apurada com os ingressos vendidos a 1 mil réis seria enviada a Grupo de Auxílio a Edgard Leuenroth.

A primeira atividade que pudemos apurar ter ocorrido em 1921 no Centro foi um festival de apoio ao jornal anarquista A Plebe de São Paulo, ocorrido a 14 de julho daquele ano, com apresentação do Grupo Teatro Social, conferência de José Oiticica, música, récita e variedades. As peças foram: Gaiola, ato dramático de Luciano Descaves e Em Guerra de Carlos Malato. Em outubro Oiticica estava de volta ao Centro Galego para fazer conferência a favor de filhos de militantes deportados, segundo anunciava o jornal A Pátria em edição de 29 daquele mês. Em 15 de novembro a partir das 20 horas o salão do Centro Galego abrigou festival artístico e literário promovida pela Escola 1o de maio. Dirigida por Pedro Matera, esta funcionou inicialmente em Vila Isabel até ser fechada pelas autoridades. A festa era em solidariedade à sua reabertura a 25 de outubro em Olaria, à rua Drumond, 51, com aulas diurnas e noturnas. Pedro Matera organizou pessoalmente a festa e era o autor da peça em dois atos representada intitulada Milagre do Santo. Um grupo infantil tomava parte em um ato variado e a conferência foi pronunciada por Otávio Brandão, ainda anarquista.

O jornal A Pátria em suas edições de 17 de dezembro de 1921 e 3 e 7 de janeiro de 1922 noticiava como atividades libertárias no Centro Galego um festival da União dos Operários em Construção Civil em benefício do operário Antonio Florentino, com duas peças de Fábio Luz e uma de Santos Barbosa. Outros dois festivas de solidariedade ocorreram logo ao início do ano. Um em benefício da família de Manuel Parada e o outro, organizado pela Resistência dos Cocheiros em favor de seu associado Alfredo da Silva Machado.

A Plebe de 30 de março de 1922 anuncia para breve a realização de festa no Centro Galego em prol da revista Renovação com as peças A Vovozinha de Fábio Luz e Ninete de Artur Guimarães, encerrada com uma conferência e a venda do folheto A Minha Opinião sobre a Ditadura Russa do anarquista francês Sebastien Faure. A festa ocorreu a 22 de abril. A última atividade libertária acontecida no Centro Galego do Rio de Janeiro de que pudemos ter notícia em nossa pesquisa foi a conferência de Carlos Dias em benefício dos cofres da Aliança dos Operários em Calçados sobre o tema Iniqüidade Social, noticiada pela Pátria de 11 de agosto de 1922. A partir daí não possuímos elementos para traçar um histórico até do próprio Centro. De qualquer forma, estes dados cobrem quase vinte anos do movimento anarquista e operário no Rio de Janeiro, isto é, o seu apogeu enquanto militância livre e contestadora, período no qual o Centro Galego constituiu inegavelmente um espaço de grande importância principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento de uma subcultura libertária e de apoio mútuo, inserida nas grandes lutas do proletariado carioca.

Fontes consultadas:

A Vida – Periódico Anarquista – Edição Fac Similar – Ícone – São Paulo – 1987

Cadernos AEL Arquivo Edgard Leuenroth no 1 – Operários e Anarquistas Fazendo Teatro -Centro de Pesquisa e Documentação Social – Unicamp – Campinas – Primeiro Semestre 1992

Edgar Rodrigues –O Anarquismo na Escola, no Teatro, na Poesia- Achiamé-Rio de Janeiro- 1992;

Edgar Rodrigues – Os Companheiros – 1- VJR – Rio de Janeiro – 1994

Edgar Rodrigues – Os Companheiros – 2 – VJR – Rio de Janeiro – 1995

Edgar Rodrigues – Os Companheiros – 3 – Editora Insular – Florianópolis – 1997

Edgar Rodrigues – Os Companheiros – 4 – Rio de Janeiro 1997 – consultado no site do Arquivo Social Edgar Rodrigues na Internet

Edgar Rodrigues – Os Companheiros – 5 – Rio de Janeiro – 1996 – consultado no site do Arquivo Social Edgar Rodrigues na Internet

Edgar Rodrigues – Socialismo e Sindicalismo no Brasil 1675-1913 – Laemmert – Rio de Janeiro – 1969

Edgar Rodrigues – Nacionalismo e Cultura Social – 1913-1922 – Laemmert – Rio de Janeiro -1972

Edgar Rodrigues –Novos Rumos Pesquisa Social 1922-1946- Mundo Livre – Rio de Janeiro- s.d.

Edgar Rodrigues – Alvorada Operária – Mundo Livre – Rio de Janeiro – 1979

Estatutos da Liga Anticlerical do Rio de Janeiro – Papelaria Tipografia Ao Luzeiro – Rio de Janeiro – 1912

John W. Foster Dulles – Anarquistas e Comunistas no Brasil 1900-1935 –Nova Fronteira – Rio de Janeiro – 1977

Lirio de Rezende – Mundo Agonizante (Poema Social)- Grupo Paladinos do Porvir – Rio de Janeiro – 1920

Neno Vasco – O Pecado de Simonia (Comédia em um Ato) – Centro Juventude do Futuro – sem indicação de local e data da edição